Escrever é ventilar

Carlaprates
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readDec 31, 2021

Eu me lembro de uma frase de Quintana que diz mais ou menos assim: quem lê um poema abre uma janela. Lembro também que muitas vezes na vida eu me deparei com a necessidade de abrir janelas, de respirar um ar que entrasse por mim. E, ao estar dentro de mim, pudesse ressoar transcendência.

A minha interpretação para a janela de Quintana é particular. Entendo a janela como as palavras e o texto derramado pela sua abertura, como o ar. E esse respiro profundo é o que permite acalanto para as dores da minha alma.

Desde pequena, não costumo dividir minhas dores com os outros. Não sei se por falta de confiança. Medo de parecer boba ou vulnerável. O mais profundo das minhas dores e desencontros carrego comigo, sozinha. No mais oculto que posso dedicar.

Costumava me esconder embaixo da cama. Fechar a porta do quarto com a chave. Ficar ali por horas, chorando. As lágrimas, assim como as palavras, como minhas únicas companheiras possíveis. Permitidas. Ninguém mais.

Revivendo esse aspecto da minha vida, recordei que muitas vezes tentei falar para os meus pais sobre meus problemas. Mas eles tinham os seus próprios e eram tão grandes, que pouco conseguiam escutar. Meus irmãos, meninos levados e objetivos, muito menos. Não sei se era assim, mas na minha imaginação: eu começava a desabar problemas e já na segunda frase eles saiam atrás da bola ou a buscar aventuras na rua de casa.

Naquela época a gente brincava na rua. E era aonde aconteciam as coisas mais maravilhosas da idade. Trocar a rua pelos reclames da irmã canceriana? Sem condições! Eu compreendo! Meus pais também merecem entendimento, levaram uma vida muito dura. Passaram fome, viviam em uma casa em um bairro com enchente, sustentavam 3 filhos…

Qual a solução para mim? Aprendi com mérito a me calar. A ficar comigo mesma digerindo meus anseios, medos. Por vezes, torturas cíclicas. Pensamentos recorrentes que me tiravam a paz. O jeito foi criar rituais que me preenchessem. Talvez o meu maior receio seja o de não ser escutada novamente. Daí, escrever se tornou um lugar seguro.

Escrever é ventilar. Fechar os olhos e sentir o ar percorrendo o corpo. É respirar profundamente. Sentir-se ouvida no momento que mais preciso. Acolhimento. Um abraço apertado que vem do fundo da alma. Dos nossos ancestrais.

É janela que se abre para a mãe natureza derramar benção. E naquele momento que a palavra brota há um silêncio amoroso de conexão com meu profundo e abstrato. O que me é mais íntimo. Que surge assim como o vento. Levando em sua brisa o que não precisa mais ficar. Deixando só a compreensão do tempo.

004dez

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