Estranhos em um trem: então é isso, a liberdade?

Munike Ávila
Clube da Escrita Afetuosa
1 min readNov 24, 2021

Estação de Verona Porta Nuova. Trem com destino a Milão. Agosto de 2015.

Sua lista de compras é feita de incertezas. Depende das moedas que chovem em seu chapéu. Em dias de aguaceiro, desfila entre as prateleiras desviando dos carrinhos difíceis de empurrar. Em dias de garoa, espera na porta dos fundos de restaurantes as sobras de quem se sacia com pouco.

Mas nem sempre foi assim. Já teve uma vida resumida a listas de papel. O que comer, o que vestir, o que fazer. Usava o mesmo crachá, o mesmo uniforme e saia da própria casa no mesmo horário onde voltava para dormir confortavelmente no mesmo travesseiro.

Mas, um certo dia, teve um estralo. Para muitos, um estrago. Fez da mochila própria casa e do Didjeridu, próprio trabalho.

Faz das pernas, locomotiva. Dos vagões, carona. Das magrelas, garupa. Certas noites se acomoda em um sofá. Em outras, passa a madrugada a contemplar estrelas.

Assim vive há cinco anos. Perambula sob sol, chuva, miradas e julgamentos. Diz ter 32, mas aparenta ser mais jovem. Ou diz ter tudo isso só para ouvir um mísero elogio. Pouco importa.

— Quanta coragem — o disse.

— Corajosos são aqueles que acordam com despertador para fazer um trabalho que nem gostam, não tem tempo para si mesmos e, quando se dão conta, não fizeram nada daquilo que sonhavam — me falou, sem hesitar.

— A minha vida não é difícil — ele continuou, enquanto fugia do fiscal pelo corredor do trem — Eu sou livre! Eu sou livre!!

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