Eu no mundo

Elaine Alves
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMar 15, 2022

Minhas lembranças mais antigas da infância são as copas das árvores que tinha na praça junto de casa, árvores nas quais eu subia e buscava repouso nos seus galhos largos e fortes.

Hoje, quando busco minha meninice, que ainda vive dentro de mim, eu me coloco embaixo de qualquer árvore e olho pra cima. Dou preferência para os dias de sol, quando os raios se entrelaçam com o verde das folhas e atingem meus olhos, num sobressalto de beleza mágica.

A praça era o meu refúgio. O lugar onde eu podia ser Eu. Onde eu podia fugir dos resmungos rabugentos de uma vó sofrida e das obrigações domésticas.

Me lembro de ganhar horas por lá.

Filha do meio de um casal que sempre se amou, mas nem sempre soube, eu chamava atenção pelo meu tamanho desproporcional à família e pelo meu jeito meio abobalhado de ser.

Essa menina deve ter algum problema Maria, dizia minha avó, ela sorri demais.

E eu sorria. Sorria de tudo e com todos, porém era de poucas amizades.Tive praticamente uma amiga só, da infância à adolescência, e pra mim bastava.

Lembrando bem tive outras, mas sempre me senti um pouco só. Um pouco incompreendida. Um pouco risonha demais…

Quando a gente começa a acreditar no que dizem sobre a gente?

Irmã do meio de três meninas e a promessa de ser menino, para o desejo do pai, me fizeram me sentir inadequada muitas vezes. O tamanho também não ajudava.

Mas você sabe que sempre gostei? Era bom olhar de cima esse mundão!

O problema eram as roupas. As doações nunca contemplavam uma menina que aos 11 já calçava 40.

Deus do céu, onde essa menina vai parar, Maria?

No intuito de me encaixar, percorri o caminho de muitos, e esqueci de quem eu era.

Acreditei na promessa de que ter um bom emprego, uma casa, casamento e filhos me trariam felicidade. E para satisfazer deixei de sorrir. Entendi que a vida de adulto é assim mesmo!

E como foi preciso a menina adultecer cedo, mais tempo ainda passei longe das árvores e dos belos raios que refletiam nas suas verdes folhas e faziam meus olhos arderem.

Deixei a escrita. Os roteiros. As peças Teatrais e os sonhos.

Guardei tudo embaixo da roupa branca hospitalar e posteriormente embaixo da farda verde oliva. Orgulho de muitos.

Prisão interna.

O sorriso esmoreceu, o caminho é outro.

Cansaço. Desânimo. Apatia. Despertencimento de si. Dor. Desespero.

Despertar. Conexão. Natureza. Caminho. Reencontro.

E a escrita voltou! De mansinho faz pousada no meu coração…

Como quem não quer nada indica o caminho de volta, de volta a menina que subia em árvores e deitada em seus troncos, sonhava com o dia que poderia ser Ela, apenas Ela.

Elaine Alves 15/03/2022

(desafio01mar22)

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