Fases

Alice Murrayr
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readJun 9, 2022

Estaciono o carro em frente `a escola. Desço. Converso com outras mães . A porta se abre e os rostos corados das crianças aparecem. Sujos, suados e sorridentes. Vejo um rosto redondo de bochechas vermelhas, e um sorriso que ilumina o meu coração.

— Mãe! — ela vem correndo e me abraça com força. Andamos até o carro de mãos dadas. Abro a porta de trás, ela se senta e prendo o cinto de segurança. Fecho a porta. Me sento no assento do motorista e pelo espelho retrovisor, vejo ela olhando pela janela.

— Mãe, hoje fizemos pintura de aquarela e pintei muitas cores. — É mesmo filha? — Sim, depois colocamos as pinturas no sol para secar e veio o gato do vizinho e passeou em cima das pinturas. As aquarelas ficaram todas cheias de patinhas de gato. Será que a pata dele ficou colorida? Ela deu uma gargalhada, redonda e leve como bolha de sabão flutuando no ar. Sorri, imaginando a cena. O espanto no rostinho das crianças ao verem as pinturas com patinhas de gato. Ao longo de todo o percurso até em casa ela me conta tudo que fizeram na escola naquele dia . — Cantamos, brincamos de pega pega, fizemos pão, balancei no balanço e ah… hoje foi o aniversário do Pedro e a mãe dele trouxe bolo de chocolate com bolinhas azuis colados em cima. As histórias se derramam sem ponto nem virgula, como cachoeira cristalina cheia de energia e frescor. Chegamos em casa. Descemos do carro. Ainda sorrindo ela corre para dentro, larga a lancheira no chão. Entra na cozinha e grita, — vamos almoçar? to com fome! Eu sigo logo atrás, — sim, vamos lavar as mãos. Andamos juntas para nos preparar para o almoço.

Anos depois.

Estaciono o carro perto da escola. Aguardo dentro do carro e mando um WhatsApp avisando que cheguei. Um grupo de adolescentes vem andando em minha direção. Ritmo lento. Jinga no passo. Parece uma dança, jogam o corpo para um lado e outro, se abraçam e parecem estar caindo uns sobre os outros como uma cascata de dominó filmada em câmera lenta. Os cabelos longos são jogados para o lado num movimento semi circular que só os jovens sabem fazer. Cabelos e franjas fazem a sua dança. Mochilas penduradas em um ombro, camisa amarrada na cintura, calças jeans rasgadas. Estão conversando animadamente, dando risada. Ao se aproximar do carro ela abraça e beija seus amigos, joga o cabelo mais uma vez para o lado. Abre a porta do passageiro, senta ao meu lado. Sem olhar diretamente para mim diz: — Oi! em tom cantado.

Em seguida olha o celular e começa a digitar freneticamente.

— Como foi o seu dia? — pergunto enquanto manobro o carro.

— Tudo bem. Eu conto para ela que consegui achar o livro que ela havia me pedido.

— Legal — obrigada, — responde ainda sem tirar os olhos do celular.

— A sua professora de matemática ainda está doente?

— Não, ela veio hoje, — diz sorrindo para o celular.

— Que bom, então teve a prova da qual você me falou ontem?

— Sim, foi tudo bem, foi fácil . Agora deslizando o dedo sobre a tela do celular. Continuamos em silêncio eu prestando atenção no transito ela sorrindo e digitando no celular.

Chegamos em casa, descemos do carro, ela entra em casa, larga a mochila no chão e vai para o quarto.

— Vamos almoçar? — chamo atrás dela — ja vou — e bate a porta do quarto

Um dia fui o centro e devagarinho fui deixando esta posição.

Hoje uma jovem mulher. Faz suas decisões, acertos e erros. Colhe os frutos de suas decisões. Está no mundo, atuando, vivendo e aprendendo. Eu observo de longe. E, quando sobra um tempinho nos sentamos para tomar um café e conversar.

Desafio #1 junho/22

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Alice Murrayr
Clube da Escrita Afetuosa

Adoro livros, bibliotecas e livrarias e é claro uma boa história.