Gosto de vinho tinto seco

Dani Villela
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readFeb 17, 2022

Cresci acreditando que me tornaria uma escritora. Esse sempre foi meu maior sonho de criança. O resumo da obra não é nada empolgante. Aos 25 anos carrego uma tonelada de decepções nas costas. Com essa idade, jurava que teria pelo menos um livro físico publicado por meio de uma editora nacional.

Quando mais nova, naquela fase em que a gente não tem medo de ouvir “não”, tomei coragem e enviei e-mails para todas as grandes editoras disponíveis no Brasil que você possa imaginar. De toda a lista, obtive resposta apenas de uma. O não estava literalmente escrito. As outras, simplesmente resolveram ignorar mais um e-mail com pedido de alguma criança brincando de ser escritora.

Naquela época, desistir não era uma opção. Continuei escrevendo para o meu próprio blog e me candidatei para diversos concursos culturais. Cheguei ao meu ápice quando minha crônica Acabou o Café foi publicada na revista Vogue. Esse mesmo texto foi publicado em um livro colaborativo com outros autores por meio de uma editora regional da minha cidade natal.

Estaria eu finalmente começando minha carreira de escritora?

Eu costumava escrever constantemente, ou melhor, escrevia todos os dias da minha vida. Escrever sempre foi o que eu mais amava fazer e a única coisa do qual acreditava ser boa o suficiente. Infelizmente, esse parágrafo foi escrito no passado.

Não consigo lembrar quando tudo mudou. Veja, eu ainda amo escrever, mas o ponto é: atualmente, escrever me traz uma dor inexplicável. Assumir esse sentimento me faz querer chorar. Se antes pegar um papel e caneta era fácil, hoje é uma luta. Se antes sentar em frente ao computador diante da tela em branco do word era empolgante, hoje eu só procrastino o quanto puder.

Lidar com esse sentimento de incômodo, é frustrante. Sempre que tento escrever, a ansiedade faz morada e eu paraliso. Era fácil criar personagens e histórias. Tão fácil quanto um pintor criando sua obra em uma tela em branco. Tão fácil quanto minha mãe fazer um bolo.

Por falar nela, minha mãe tinha uma receita de pão de ló que sabia fazer de olhos fechados. Ela separava os ingredientes e os misturava um a um de acordo com a sequência. O cheiro de pão de ló saindo do forno preenchia toda a casa. Uma vez aconteceu de a massa não prestar. Uma, duas, três, quatro… cinco tentativas e todas as vezes o bolo ia para o lixo. Ela não conseguia entender o que estava acontecendo. A mesma receita, o mesmo modo de fazer, os mesmos ingredientes, o mesmo forno. Depois de tanto quebrar a cabeça, ela simplesmente resolveu aprender outra receita e começar de novo. Deu certo. O mistério continua, quando foi que aquela massa parou de dar certo?

É o que questiono a mim mesma diante da dificuldade de escrever novamente. Quando foi que escrever se tornou tão difícil assim? Minha mãe ao menos conseguiu uma nova receita, e eu, o que preciso fazer? Não sei qual receita seguir.

Em algum ponto do caminho as desilusões superaram o sonho. Era fácil demais romantizar a vida de escritora bem sucedida. Quando as responsabilidades adultas bateram à porta, quando os boletos chegavam e eu precisava trabalhar mais um dia sem escrever, quando o tempo foi ficando escasso, a razão falou mais alto. Bem mais alto.

É praticamente impossível viver somente da escrita no Brasil. A amargura tomou conta da boca. É como tomar vinho tinto seco pela primeira vez. Eu esperava tanto, mais tanto, poder escrever meus livros e me sustentar somente com eles, que quando percebi que não conseguiria, pelo menos não tão cedo, a escrita foi perdendo o encanto.

“Escrever pra que? Eu não vou ganhar nada mesmo!” Sem que eu percebesse, esse pensamento fez morada em mim. É frustrante passar a vida inteira acreditando e depositando todas as suas fichas em um sonho e aos poucos ver ele se desmaterializar da sua frente. Idealizei demais ter uma vida como escritora com muitos livros publicados e esqueci de contemplar a escritora da qual já sou, independente da quantidade de obras vendidas.

No fundo, o mesmo desejo continua, mas por hora sem pressa. Passei muito tempo cobrando demais de mim mesma para voltar a escrever. Assim como a gente se acostuma com o gosto do vinho à medida que toma mais, consigo acostumar a uma vida sem cobrança para chegar lá. Tudo tem seu tempo, até mesmo para encontrar o caminho de volta.

Por hora, me apego a uma frase que ouvi certa vez de alguém muito especial: “não me interessa quantos livros vendeu, se você morresse hoje, escrevia na sua lápide ‘a melhor escritora que conheci’”. Ouvir isso, acendeu uma pequena chama desse sonho antigo. Tudo o que preciso fazer agora é voltar às origens e preencher essa folha em branco sem medo.

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