Invisível Luísa

Mironga da Cachimba
Clube da Escrita Afetuosa
4 min readJun 18, 2022

Tudo na vida de Luísa até que fluía bem. Estava namorando, trabalhava em uma empresa que gostava muito. Lia, malhava, ouvia música. Era para sentir-se feliz, positiva e agradecida. Mas não. Uma coisa que Luísa aprendera desde cedo foi a de agir como as celebridades: sorrir e acenar. Disfarçava muito bem suas dores e frustrações. Só que, como toda fantasia, é preciso ter cuidado para não misturar a realidade com a ficção. E foi o que aconteceu naquele dia.

Saiu para trabalhar, como todas as manhãs. A estação de metrô estava relativamente cheia, mas conseguiu entrar. Desceu na estação, seguiu o fluxo para a outra linha que precisava pegar. Esperou, como de costume, o próximo trem para ter o pequeno luxo de sentar-se. Pegou seu livro na mochila e seguiu a leitura até seu destino. Até aí, nada diferente. Chegou na estação de destino, guardou o livro e, mais uma vez, seguiu escada acima, saindo do subterrâneo. Caminhou até o prédio onde trabalhava. Ligou seu notebook e decidiu ler as atualizações do LinkedIn. Notícia de novo emprego aqui, alguém agradecendo a oportunidade, mas divulgando que está “open to work” por ter sido demitido. Reflexões, artigos, divulgações de eventos. Aí apareceu. Aquela simples notificação que mudou sua energia. Nuvens cinzas formaram-se em sua cabeça e nublaram seu julgamento.

“Que orgulho! Sou a nova Top Voice LinkedIn Creator! Junto-me a mais uma galera incrível. Feliz e honrada. Obrigada, LinkedIn e comunidade!”

Luísa não sabia ao certo porque raios isso mexeu tanto com ela. Era como se, aos quase 40 anos, não tivesse feito nada relevante da sua vida, ou pela sua comunidade. E assim, mais algumas notificações parecidas foram aparecendo, como se a vida a sincronizasse e esfregasse em sua cara o fracasso. A profissão e o trabalho, que tanto amava um dia, perderam o brilho. Queria parar tudo. Queria ter dinheiro para viajar e começar tudo do zero. Queria voltar no tempo e recomeçar. “Bem que podia ter um anjo, uma vez na vida, que viesse e convidasse a voltar no tempo, em qualquer momento, com a maturidade de hoje e refazer o caminho”. Pensou. Naquele dia, sentiu o peso dos milhões de cursos e coisas que fizera e que não investiu tempo e energia para ter o retorno financeiro desejado. Sentiu-se invisível e inútil. “Deus, bem que o Senhor podia me levar daqui, né? Não sirvo para nada!”.

Seguiu o dia, mais uma vez, tentando ser simpática, conversando com colegas, sorrindo e socializando. Por dentro, estava desolada. “Por que estou me comparando com essa gente?” Os pensamentos pipocavam, sem parar. Foi registrando mentalmente o que estava sentindo. E não era a primeira vez. Já tinha acontecido em outras mídias.Olhar pessoas desconhecidas e conhecidas, sentir que elas tinham o sucesso que Luísa tanto desejava. Inveja, raiva e frustração. Desse trio, a frustração bateu mais forte. Precisava tomar alguma atitude ou fazer alguma coisa. Queria muito ter a mínima ideia do que poderia fazer, vender, gerar mais renda. Nada. Sua falta de foco, vontade e todo o conhecimento acumulado não serviam para esta prova. Nenhuma técnica. Não sabia nem como e para quem pedir ajuda. Havia perdido a pouca fé, em si, na vida e em qualquer força, de qualquer caminho espiritual, que conhecia.

No fim do dia, ao chegar em casa, mental e emocionalmente cansada, seguiu a rotina. Tomou banho e jantou, em silêncio. Não queria conversar com sua mãe, muito menos queria perguntas. Foi para o quarto, fechou a porta. Continuou jogando as palavras para o nada. Sentia-se às vezes como uma criança, mimada e birrenta, resmungando para o Universo. A esperança era que alguém estivesse ouvindo e a resgatasse. Ou, por um milagre, alguém aparecesse, pegasse em sua mão e a conduzisse. “É por aqui que você deve ir”. E, de novo, silêncio. Já se sentiu culpada também. Tanto conhecimento espiritual sobre perdão, agradecimento, pensamento positivo e energia, e seguia reclamando. Mesmo assim, naquele dia, sentiu-se no direito de sentir o peso da invisibilidade e inutilidade. Continuou jogando as palavras: “Inútil. Deus, por favor me leva. Não aguento mais. Estou no meu limite. Quero ir embora desse mundo!”. O cansaço e a frustração pesaram tanto, que nem chorar conseguia.

Em frente ao computador, abriu a página de pesquisas e digitou: “Como desativar as notificações no celular”. Era hora de dar uma pausa. Desativou todas que podia. Agora, só entraria nas redes quando precisasse. Já era invisível mesmo. Ninguém sentiria sua falta. Não era influenciadora digital, blogueirinha, Top Voice e muito menos parte de qualquer rank de pessoas influentes. A vontade era não ter mais nenhuma rede, mas achou a ideia radical. Excluiu pessoas que seguia, mudou suas contas para o modo privado. Foi assim que começou sua sessão de terapia daquele dia: “Cansei de tudo e não sei o que fazer”.

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Mironga da Cachimba
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Escrevendo e compartilhando minhas vivências na jornada mítico-ancestral, como filho de àṣẹ. Por Gustavo Oliveira.