Lar
Perdi meu Lar aos 10 anos.
E com ele, se foi a sensação de ter a melhor casa da rua.
A casa que não enchia nas chuvas de verão. A casa que a mãe fechava os buracos do cano para represar água e transformar em piscina. A casa que aos 5, pulei de mal jeito e quebrei um braço. A casa que tinha cortinas, tapetes e sofás, estampados de um verde tão lindo que jamais vi igual.
Aos 10 anos perdi o meu Lar.
E com ele se foi a mansidão da infância, os carrinhos de mercado cheios e os bolos de aniversário.
Se foi a segurança de se ter um teto e desceu a vergonha de se depender de outrem.
A voz praguejante e a incerteza do futuro, forjaram o desejo prematuro de Lar.
Me lembro de construir uma casa, o maior dos meus sonhos.
Um lugar que chamaria de meu.
E repousaria corpo cansado de uma vida bem vivida.
Entre tijolos, lágrimas e cimento, deixei de sonhar e me perdi. Construí uma casa, não um Lar.
Fugi antes de me tornar parede. De petrificar entre colunas e aramados.
Deixei para trás outra casa. A casa que abrigou o nascer do primeiro pedaço de mim. A casa prometida da criança perdida. O sonho dos sonhos.
Parti.
Parti em busca de mim.
Atravessei muitos caminhos para encontrar dentro de mim o Lar que ansiava.
Entendi que um Lar não se constrói com coisas que cabem em uma caixa e sim com afetos que extravasam coração.
Entendi que o pouso desejado só frutifica em terreno fértil de si.
Entendi, que meu Lar SOU EU.
desafio 02abr22