Lembranças coloridas
Eu tenho o dom de lembrar dos detalhes. Os acontecimentos do passado parecem filmes vívidos em minha cabeça. Às vezes penso que possa até estar criando coisas. Cogito não ter lucidez lembranças tão vivas da primeira infância, sendo ela já tão distante. Lembro quando troquei minha chupeta por uma caixa de lápis de cor. Devia ter uns 5 anos. Meu tio Wilsson trabalhava na esquina da rua onde eu morava, cheguei perto e ele me propôs a troca. Fiquei animada com a possibilidade de ganhar uma caixa cheia de lápis coloridos para eu desenhar e colorir o mundo que eu enxergava e imaginava. Para mim era um artigo de luxo uma caixa de lápis de cor. Minha mãe tinha um talento enorme para colorir. Ia me ensinar a não passar da linha e manter a firmeza e leveza do colorido. Proposta aceita. Fiquei aguardando o dia da troca chegar.
Seritinga a cidade onde morávamos era bem pequena e certos itens tinham que ser encomendados. Levavam dias para chegar. Coisa de interior do interior na década de 90. Lembro do sentimento de ansiedade da espera. Lembro do dia em que a caixa de lápis de cor chegou. Estávamos na sala da casa da minha vó. Era uma sala pequena para uma família de 11 filhos e muitos netos. Tinha uma estante que tomava conta de uma boa parte da sala, suas prateleiras eram preenchidas com apetrechos que de certa forma decoravam o ambiente. A caixa de lápis de cor me esperava lá em cima na última prateleira. Embaixo, no chão, estava eu, eufórica para pegar meu prêmio e entregar a chupeta. Tio Wilsson chegou e fez a troca, me deu a caixa e eu entreguei a chupeta. Sai pulando feito doida exibindo o meu troféu. Agora podia botar cor nos desenhos, colorir os papéis com minha imaginação.
Memórias são filmes gravados na linha do tempo neural e guardados bem ali no oco da cabeça. Nos transportam no tempo, nos fazem reviver o que passou, o que não mais será
#02mar22 (Texto escrito para o Club de Escrita Afetuosa da Ana Holanda)