Lista de Compras

Bárbara Roriz
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readNov 22, 2021

A compra devia ser mensal, pelo tamanho da lista. “Ninguém compra dois pacotes de farinha de trigo toda semana”, pensei comigo. Com certeza aqueles eram os itens do mês. E logo abaixo vi as outras farinhas, de mandioca e de rosca, cujas quantidades confirmaram a minha suspeita: dois e três pacotes, respectivamente. Sim, farinha demais e tinha até manteiga. “Comilança”, concluí, já julgando terrivelmente o dono daquela lista esquecida no meu carrinho de supermercado. Ou seria dona? Sei lá.

Só sei que era um listão desavergonhado, com itens robustos feito fubá, açúcar e leite. Leite integral, 4 caixas. É, eu não estava em um bom dia. Fui lendo e sentindo uma certa irritação tomar conta de mim. Côco ralado, chocolate em pó, creme de leite, leite condensado. “Oi??”, pensei doída. A lista não terminava. Fio de ovos, maisena. Só de ler eu já estava engordando.

Comecei achando engraçado mas depois meu desconforto ficou sério. Gelatina em três sabores, bolacha maisena e sorvete. Napolitano e flocos. E flocos. Sério. “Quem, em sã consciência, poderia comprar todos aqueles itens, naquelas quantidades?”, esbravejei mentalmente, enquanto pegava um pacote de sabão em pó 2kg limpeza total. Total. “Em que mundo viveria a dona da tal lista?”, me perguntei indignada.

A verdade é que aquilo agora me incomodava profundamente. Sim, aquela lista exagerada tinha agora toda a minha atenção, eu confesso. Era um listão desaforado, uma afronta ao bom senso coletivo e ao meu estado mental em uma manhã de segunda. “Eu devia ter jogado ela fora lá na entrada”, pensei meio desbocada, soltando um palavrão mental.

Não, não era um bom dia, não havia sido um bom encontro. Eu sem tempo para mim, no supermercado para abastecer a casa. E a bendita aparece nas minhas mãos. Algo ali precisava fazer sentido mas eu não conseguia perceber o quê. Essência de baunilha, canela em pó. Silêncio.

Olhei para o meu carrinho. Granola, iogurte desnatado, abacate. Alguns itens da minha lista que eu escrevera na véspera pelo celular. Lista organizada e moderna, sem glúten, by the way. Sem gosto. Me acolhi. Itens dignos de uma “mulher que se cuida”, do jeito que deveria ser. “Quem falou?”, me perguntei de relance, como se ouvisse minha própria voz. Que raiva. Eu tinha feito tudo certo, minha lista era semanal. Se-ma-nal. Magra, sem manteiga e sem açúcar. E agora aparece essa outra desafiando os meus conceitos.

Me deu vontade de chorar em plena ala dos detergentes. Sim, eu era a vítima ali. Cansaço. Vítima de uma inveja mortal e repreensível daquele ser dono da outra lista. O listão. Comilança. Que feiúra. Que loucura. Que dó. De quem? Não sei.

Só sei que chocolate em pó 100% cacau não fica tão bom com leite de amêndoas. E, convenhamos, cheiro de bolo de fubá saindo do forno não tem igual. É que a tal lista perdida podia ser absurda, mas ela era doce. Tão doce. Doce feito carinho de vó e brigadeiro em dia de chuva.

Pronto, estava desvendada a questão. Doce era o que eu precisava mesmo sem querer. Sem razão. Uma casa para abastecer e um colo para descansar. E o que me perturbava mesmo é que ainda era segunda e eu já estava com saudade. Falta de bom senso. E só de pensar que sempre esteve tudo aquilo ali mesmo, no supermercado da esquina…

desafio 002nov

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Bárbara Roriz
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Escrevo desde sempre. Vivo para escrever. Ou será que escrevo para viver? Sei lá.Sei sim.Lá bem longe. Onde viver e escrever caminham juntos. É de lá que venho.