Meu mundo inteiro cabia ao redor da mesa da cozinha.

Diego Sail
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readOct 11, 2021
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Desafio 001out 2021

A clássica lasanha de frango da minha mãe não tem história bonita. Não é uma dessas receitas que sobreviveu sete gerações em folhas amareladas, que tem ingredientes secretos só revelados para familiares, ou que carrega uma tradição preenchida de significado.

Um dos pratos mais clássicos lá de casa é uma receita passada por um jogador de futebol em uma entrevista na tv no início dos anos 90.

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A vó Ida anotou e passou para minha mãe. Fim. É dessas histórias que a gente não conta porque nem história é. Uma memória despretenciosa que descobri por curiosidade para saber quando foi que esse prato entrou no cardápio da família.

Tento lembrar da primeira vez que comi essa lasanha. Não consigo. O passado sempre dá um jeito de se esconder quando olho na sua direção. Fecho os olhos. Respiro. Vejo minha mãe em frente ao fogão, touca de banho protegendo os cabelos, a vó Ida de pé, atenta à tv, “tá na mesa,” grita minha tia.

O amarelo da lasanha pintando as paredes da travessa de vidro, o pratinho tímido com poucas folhas de alface e rodelas de tomate, a garrafa de guaraná sem gás quase vazia ao lado da cheia. Sou o primeiro a sentar.

Minha tia se serve de um pedaço pequeno, a mãe pergunta se ficou boa, minha irmã separa o frango da massa, a vó diz que está sem fome, meu irmão reclama do tamanho do meu segundo pedaço, chamo ele de olho grande, o pai admirado, “parece que nunca viram comida”.

Essa é uma colagem de memórias assíncronas de um tempo em que meu mundo inteiro cabia ao redor da mesa da cozinha.

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Quatro mulheres e dois homens responsáveis pela minha força, pelo meu medo, pela minha vontade de partir e de voltar com frequência para ver o quanto de passado ainda carrego comigo, mesmo depois de tanto tempo longe.

A cadeira da vó Ida está vazia há alguns anos, mas agora tem a cadeira da Carla, da Manu, do Gabi e da Luisa. A cunhada e os sobrinhos chegaram depois, mas parece que sempre estiveram aqui. Lembro da minha supresa um dia ao perceber como essa extensão da família é parecida com a gente de sempre.

Também lembro da minha surpresa quando descobri na casa de um amigo que a receita padrão de lasanha é com guisado em vez de frango. O clássico lá de casa era excessão.

Talvez seja essa a tradição mais bonita de todas as famílias.

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Diego Sail
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Escrita Essencialista = o poder imaginativo da escrita criativa + o poder intencional da escrita estratégica. Fazer sentido fazendo sentir. | diegosail.com