Meu Pai

Alice Murrayr
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readMay 20, 2022

Estávamos na praia. Junho. Frio. Era o final de semana de meu aniversário. 10 anos. Ganhei o meu primeiro relógio de pulso, era um TIMEX , me lembro bem, redondinho com números pretos e uma pulseira de couro preta. Me sentia muito importante com o meu novo relógio, afinal agora eu tinha 10 anos. Ainda era bem cedo e meu pai me chamou para passear na praia, procurar conchas e ver a pesca da Tainha. Sempre fui muito chegada no meu pai. Adorava ficar com ele. Fosse na praia, ou quando me levava aos sábados ao escritório, no clube ou em casa. Adorava ficar conversando com ele. Ele era gringo, falava o português com sotaque. Sempre muito querido por todos que o conheciam. Era alegre, gostava de gente, de churrasco e caipirinha, sabia se divertir e sabia ser sério. Pai de família, dedicado aos filhos e apaixonado pela esposa. Mas naquela manha, sua atenção era só para mim, afinal era o meu aniversário de 10 anos e agora eu andava de relógio de pulso.

Fomos até a praia , o sol da manhã refletia nas ondas criando mini cristais reluzentes nas ondas do mar. A praia era extensa, longa, a maré estava baixa então estava larga também. A direita da praia vimos várias pessoas aglomeradas e canoas grandes de madeira na areia. Os pescadores estavam puxando uma enorme rede.

— Vamos ver o que estão fazendo? disse meu pai.

Segurei na mão dele, me senti grande, fomos juntos até os pescadores, a areia fria, nos nossos pés descalços. Lá, longas canoas de madeira e muitos, mas muitas pessoas ajudavam a puxar a enorme rede de onde já se viam peixes pulando. — O que são? perguntei . — São as Tainhas, respondeu meu pai.

A época da pesca da Tainha é entre maio e julho. Elas ficam principalmente na região Sul e Sudeste do país e a pesca é muito tradicional. Os cardumes passam pela região costeira bem perto da praia. Os pescadores entram no mar com as canoas de madeira em dois pontos da praia e soltam uma enorme rede que é puxada como um arco de volta para a areia.

Era fascinante. Milhares de Tainhas na rede. Muitos peixinhos pequenos também se debatiam. Os pescadores corriam para pegar os peixes grandes e jogar os pequenos de volta ao mar. Várias pessoas re reuniam ao redor para comprar os peixes fresquinhos.

— Vamos levar um presente para a sua mãe? meu pai me olhou com um olhar maroto. — Vamos, respondi feliz.

Nunca havia visto tantos peixes antes. Uns pescadores corriam pela praia para ajudar a puxar a outra ponta da rede, puxavam, recolhiam os peixes, colocavam em caixas de isopor. Era uma operação muito organizada e de muito trabalho. Outros já vendiam os peixes para os moradores da região que acordaram cedo para levar o peixe fresco para cassa.

Nós também compramos um. Não foi fácil carregá-lo, era escorregadio e pesado. Fiquei com pena do peixe, pois ainda se debatia.

Enfim, chegamos em casa com o peixe. Agora tínhamos o desafio de limpá-lo. Estendemos o jornal lá fora. Faca bem afiada. Juntos o limpamos . Não foi tão legal assim. Não gostei muito, mas tinha que ser valente, afinal era o meu aniversário e agora já tinha 10 anos. Por fim, o peixe foi assado na churrasqueira e rendeu um deliciosos almoço. Foi um aniversário especial que guardo na memória com carinho, o passeio na praia de pés descalços, mãos dadas com o meu pai, o relógio no pulso, indo ver a pesca da Tainha.

Desafio#2 maio/22

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Alice Murrayr
Clube da Escrita Afetuosa

Adoro livros, bibliotecas e livrarias e é claro uma boa história.