NEM PALHA DE AÇO
DESAFIO #04ABRIL2022
A marcha à ré nunca havia engatado tão rápido como naquela noite. Fez cantar os pneus que riscaram no asfalto seu grito de dor. De vergonha. De medo. Mas também de uma coragem a que jamais havia precisado acionar.
Ela já não era mais a jovem de vinte e poucos. Era uma balzaquiana com letras garrafais e fama de mandona. Mas aquela relação vinha calando, abafando todas as suas certezas. Feito uma antiga televisão com botão seletor — onde nem palha de aço serve mais pra melhorar o sinal -, era preciso esquecer a preguiça; levantar e ter coragem pra mudar de canal. Encontrar outra sintonia. Mas ali, definitivamente, não poderia seguir com a mesma programação.
Basta! E saiu, correu, disparou o mais rápido que pôde. Em prantos seguiu dirigindo até o colo de uma amiga. A que seria a confidente do trágico filme de horrores que estava vivendo na pele. E naquela noite, estampado no rosto com o tapa de 1,80 m que levou. Revidado com toda a força e potência que encontrou diante do pudor ameaçado. Das verdades tão defendidas e ali arremessadas pela janela por um ato covarde, grotesco. E dissimuladamente mascarado como um frame daqueles clássicos de amor eterno. Não foi! Jamais seria.
A televisão antiga e pesada precisou de muitos amigos por perto pra ajudá-la a retirar de sua sala de estar, de seu quarto. De sua rotina. Pifou de vez. Virou sucata como deve virar tudo aquilo que é desprezível, vil e escroto.
- Se não abrires a porta pra eu entrar nesse carro, nunca mais vais me ver!
Ela rebaixou o vidro, o suficiente apenas para que do lado de fora sua voz ecoasse estridente e incômoda como aqueles ruídos inconfundíveis de televisão antiga:
_ Então NUNCA MAIS VOU TE VER, SEU FODIDO!
E arrancou em disparada pra não precisar voltar a assistir àquela cena outra vez.