Nosso próprio tempo

Cláudia Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

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Fui até o colégio encontrar vocês. Nós cinco sentados no banco do pátio, hora do recreio. Comíamos Mirabel, cantávamos Legião Urbana, os dias passavam lentamente. Os Flamboyants floriam, era o Natal chegando, a vida corria num ritmo esperado, menos ansioso. Nossas notas eram boas e os finais, tranquilos. Sorvete depois da aula, passos lentos, a despedida adiada. Queríamos um minuto, uma hora a mais, talvez. No dia seguinte, alegria no olhar, reencontro e euforia, porque a saudade tem seus caprichos. Nossos sonhos eram grandes, planejávamos mudar o mundo e mal sabíamos que teríamos muito trabalho em nos transformar.

Seguimos o ritmo frenético do viver. Firmamos o nosso existir e aprendemos a resistir na falta um do outro. Acreditamos que éramos donos do “nosso próprio tempo”. E não é que isso aconteceu? Pois quando estamos juntos, voltamos ao mesmo banco, no mesmo pátio em que folhas caídas testemunhavam nossas confidências. Acolhemos em silêncio respeitoso os sonhos que não deram certo, a vida que saiu dos trilhos, um medo compartilhado… Temos um no outro a compreensão dos que se irmanam sem terem laços de sangue. Na intrincada teia da amizade, os diferentes fios são mais belos porque tecem e aceitam o que não é herdado, mas sentido.

A pandemia nos atravessou, mas não nos separou. Se uma foto antiga chega pelo celular, ligamos a matraca. Em meio a algum ataque de riso, surgem novas versões para os mesmos fatos da nossa biografia compartilhada. Viajo 35 anos em um segundo. Volto à sala de aula e me sento na mesma carteira velha e empoeirada, no canto em que eu me escondia. Avisto os meus amigos de adolescência, e nessa saudade que não deixo passar, sigo os seus passos, vigilante. Permaneceremos juntos. E um abraço gigante e demorado nos aguarda logo ali, num tempo que continuará sendo só nosso.

Texto em uma frase:

Eu e meus amigos de adolescência acreditamos que éramos donos do “nosso próprio tempo” e isso aconteceu.

Cláudia Figueiredo, 20/05/2021

Desafio #2 — maio/2021. Clube da Escrita Afetuosa Ana Holanda.

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Cláudia Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

Membro do Clube da Escrita da Ana Holanda. Busco nas palavras o céu de um novo lar.