NUDEZ ASSISTIDA

Ana Helena Biagiotti Esteves
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readFeb 15, 2022

Passo bastante tempo pensando sobre meus próprios sonhos. Tenho prazer em tentar decifrar símbolos e mensagens por trás do que minha cabeça me mostra quando estou com a guarda baixa. Não sou nenhuma especialista na matéria — apenas gosto de dar atenção a essa conversa que a mente faz com meu corpo desligado. E, veja, eu sonho bastante.

Tem um tipo de sonho que foi bastante frequente na época em que era criança e adolescente, mas que há muito tempo não me visita mais. Não é um sonho incomum — já ouvi muita gente com relatos bem semelhantes.

Sonhava que estava em algum lugar com bastante gente conhecida a minha volta, como uma festa, o pátio da escola ou a sala de aula durante uma prova. Em algum momento, me dava conta de que estava completamente nua nesse local. A história nunca se desenrolava além disso; nada mais acontecia na cena. O desfecho era sempre o mesmo: me via ali com um sentimento de vergonha pela completa exposição, não intencional, de todas minhas intimidades. Intimidades não só do corpo, mas também da alma — agora passivas de julgamento pelos olhos observadores de quem até então só conhecia aquilo que eu queria mostrar de mim. Além de tal constrangimento, ficava também a agrura da derrota — nada podia corrigir aquele deslize, não havia volta. O que foi exposto e visto, nunca mais poderia ser apagado.

Minha escrita pode colocar em praça pública o que eu quiser, intencionalmente, expressar ao mundo. Mas é inevitável que, junto, também arranque minhas roupas, escancarando meu mundo interior, minhas fraquezas, meus pontos cegos — não só da minha habilidade como alguém que escreve, mas também de quem sou inteiramente. Me expõe para além do que é pretendido. Me vulnerabiliza.

Por vezes escrevo apenas para meus olhos. É privado, é íntimo… calcinha e sutiã. Ainda que haja entre nós a patrulha da auto crítica, sinto seguro o espaço entre mim mesma e os textos só meus. Enquanto estivermos só nós dois, é aceitável para mim ser frágil, ser piegas, ser chavão, ser medíocre, ser errante, ser divagante, ser o eu que ninguém mais vê.

Mas escrever para ser lida é outro bicho. É entrar naquela festa e a qualquer momento me notar pelada… sem poder voltar atrás. Diferente do sonho, no entanto, essa cena tem uma sequência — não pára ali no sentir constrangido dos olhos alheios que me apavoram… Me desnudar pela minha escrita também me liberta ao me concretizar mais humana, para quem quiser ver.

Para que eu siga escrevendo sem o fantasma do meu sonho de criança, gosto de pensar que, para cada par de olhos críticos ao que exponho de mim ali, outros tantos podem encontrar algo belo, único e que ressoa em si da minha nudez que escapa.

#01fev22

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