O caminho da escrita

Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readSep 26, 2021

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Coleção Highlights: inglês para adolescentes (acervo pessoal)

Minha relação com a escrita começou em 1958, aos 7 anos, com a cartilha Caminho Suave, de Branca Alves de Lima. As primeiras lições eram: a, de abelha; e, de elefante; i, de igreja; o, do ovo; u, de unha. Depois das vogais, vieram as sílabas, palavras e frases. Desenvolvi uma relação de muita cumplicidade com meu lápis de ponta fina, eterno companheiro, há exatos 63 anos. Fiz bastante caligrafia para ter uma letra redonda e bonita. O sobe e desce do lápis sempre me fascinou.

O caminho não era tão suave, quando se tratava de criar textos, as famosas “redações”, para ganhar nota. Sentia dificuldade para ter inspiração, porque as ideias não vinham. A didática da época era questionável, pois deveríamos escrever redações, sem nenhum estímulo: o único interlocutor era o professor. Escrever, então, era um martírio. Somente mais tarde, fui entender que deveria ler mais para conseguir escrever melhor.

Aos 10 anos, fui secretária do Grêmio Estudantil, e me sentia importante ao fazer as atas das reuniões. O caminho não oferecia obstáculos e era em linha reta. Escrever era delicioso.

No ginásio, o caminho da escrita se tornou excruciante, uma vez que elaborar dissertações consistia numa tarefa árdua. No entanto, nos altos e baixos desse trajeto, a escrita adquiria um sabor especial, quando eu produzia diários (dos quais era a única leitora) e cartas (das quais os leitores eram reais). A tarefa, então, tinha um propósito: escrever para alguém ler e não apenas para ganhar nota.

A experiência mais solitária e traumatizante foi a produção de uma dissertação de mestrado, na qual o caminho era árduo, com muitas curvas e com pedras de todos os tamanhos. Sofri demasiadamente nessa época, me considerando totalmente incapaz de fazer esse exercício acadêmico. Consegui sobreviver, no entanto, à base de muita terapia, trancamento de matrícula, e retomada do mestrado, quatro anos após. Desta vez, o tema da dissertação escolhido foi, ironicamente, a aquisição da “escrita”, por alunos de inglês.

Ao longo da vida, o caminho foi adquirindo um outro sabor e se tornando cada vez mais agradável. A produção escrita foi intensa durante 30 anos, quando elaborei, em parceria, livros didáticos de inglês para alunos brasileiros. Nessa época, além de prazerosa, a atividade tinha por objetivo a sobrevivência. Consegui sobreviver da escrita, por todo esse tempo.

O caminho foi alucinante por 25 anos, com muitos altos e baixos, com curvas e retas, quando escrevi a biografia da minha filha. Reuni sílabas, palavras, frases, textos produzidos por ela, com fotos representativas de sua vida e fiz um livro, chamado Bom o banho?. Foi uma produção independente e esse foi meu presente de casamento para a Camila, em 2008.

Durante a pandemia da Covid-19, tenho vivenciado a escrita com poder curativo, que consiste de reflexões e encontros comigo mesma. Tenho feito o diário da pandemia, por 550 dias. Ao mesmo tempo, tenho feito o diário da gratidão, no qual relato três acontecimentos pelos quais agradeço.

Amo pensar sobre o circuito entre cérebro e mão! Amo pegar um lápis e viajar no papel. É infinitamente mais prazeroso do que digitar um texto diretamente no computador, ou no celular. Quando escrevo, reflito, choro, travo batalhas com a imaginação, lapido palavras, posso ser eu mesma. Ao me deparar com o produto do trabalho criativo, sou tomada por um verdadeiro encantamento. Escrever é deixar fluir o pensamento e a emoção. É deixar ecoar a própria voz. É sentir a pulsação que me invade. É adentrar nos meandros da palavra. É cura. É catarse. É libertação. É transcendência.

Zuleica Águeda Ferrari — 26/09/2021 — Clube da Escrita Afetuosa — Profª Ana Holanda — @anaholandaoficial — Desafio 002 — Escrever à mão: O que é a escrita para mim.

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Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa

Leitura, escrita, cinema e música são minhas grandes paixões. Moro em Curitiba, PR, Brasil.