O Dedal

Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readApr 10, 2022

001 abr/22

Destreza

Esmero

Dedicação

Amor

Labuta

Agulha que sobe… agulha que desce… linha que vai… linha que vem… Ela era muito habilidosa com a agulha, a linha, o dedal, a tesoura e a máquina de costura. Tudo que fazia era milimetricamente medido, cortado, provado, ajustado, costurado. Aproveitava qualquer tecido e fazia mágica com ele. Mas o seu forte mesmo eram camisas e ternos de homem.

Quando a neta faz barra de alguma roupa, à mão, também usa o dedal, pois facilita o trabalho, ajudando-a a empurrar a agulha sem machucar o dedo. Herdou dela, da “nonna” Antonieta Ferrari, o gosto de usá-lo. E, ao fazer isso, sua mente percorre inúmeros e sinuosos caminhos do passado…Antonieta imigrou ao Brasil, vinda da Itália, logo após a I Guerra Mundial. O seu marido, o “nonno” Giuseppe Ferrari, tinha vindo antes dela. Ambos eram jovens de 20 e poucos anos. No imaginário dos imigrantes, a mudança para a América sinalizava um alento e uma ode à esperança por uma vida melhor.

Antonieta, uma mulher muito à frente do seu tempo, veio para cá apenas em companhia de uma amiga. Enfrentaram 30 longuíssimos dias de barco a vapor. A “nonna” e o “nonno” estabeleceram-se no interior do Rio Grande do Sul. Ele era excelente marceneiro e arquiteto e, enquanto fazia projetos de igreja e móveis, ela fazia moldes de roupas no papel. Depois, transformavam os seus sonhos em realidade.

A avó ajudou bastante no sustento da casa, trabalhando com seu dedal e sua máquina de costura, ponto após ponto. Costurou quilômetros de tecidos durante a vida toda. Esticou a linha para três filhos (Antoninha, Mário e Antônio), que prosseguiram no ofício. O filho caçula, Flávio, rompeu o cerco dos dedais e carretéis, saindo de casa aos 16 anos. Deu seu grito de liberdade, aprendendo o ofício de protético e dentista prático.

A disciplina de Antonieta era admirável. Seu esforço no trabalho e cuidado da família sempre foram uma marca forte de sua personalidade. Ela e o marido sofreram e batalharam de todas as formas para sobreviver em alguns vilarejos do RS, estado do qual nunca mais saíram.

E a linha(gem) dos Ferrari continuou com o mesmo empenho, cada um usando diferentes “dedais” e costurando a vida nos moldes da “nonna”, com muita ética e dedicação.

Zuleica Águeda Ferrari — 10/04/2022 — Clube da Escrita Afetuosa — Professora Ana Holanda — @anaolandaoficial — Desafio 1 de abril: Escrever um texto ficcional a partir de uma memória.

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Zuleica Águeda Ferrari
Clube da Escrita Afetuosa

Leitura, escrita, cinema e música são minhas grandes paixões. Moro em Curitiba, PR, Brasil.