O dia que eu saí do armário (mentindo para minha mãe)

Mironga da Cachimba
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readJun 18, 2022

Menti para minha mãe. Que adolescente, ainda mais vivendo a primeira paixão, os hormônios da sexualidade, nunca mentiu? Eu tinha uns 18, 19 anos. Estava na faculdade, no processo de sair do armário. Conheci meu primeiro namorado em um site da internet chamado Superencontros. Ele morava no interior de São Paulo, era mais velho que eu. Adolescentes e primeira paixão, a combinação que tem tudo para dar certo… E errado.

Decidi viajar para ficar com ele no Carnaval. Meu irmão mais velho foi meu cúmplice, sabia o que estava acontecendo. Foi meio que Cinderela: “volte na quarta-feira de cinzas”. À minha mãe, disse que viajaria com uma amiga da faculdade, que também sabia a real. Por um impulso adolescente, optei por ficar até o domingo. Comuniquei minha decisão ao meu irmão, que não concordou e manteve sua fala à la fada madrinha: “volta na quarta-feira, que vai dar problema”. Minha malícia não era desenvolvida e meu plano teve apenas uma falha: esqueci de avisar a “amiga” da minha mudança de planos.

Domingo, revelei as fotos que tinha tirado. Fui para a rodoviária. Entrei no ônibus, feliz por tudo que vivemos, e triste por ir embora e sem saber quando poderíamos nos ver de novo. A noite já havia caído. Daqui a pouco, meu celular toca: Camila chamando. Já entendi na hora o que aconteceu:

Meu, deu ruim aqui
Você ligou em casa
Liguei. Por que você não me avisou? Falei pra sua mãe que tinha voltado mais cedo, por causa do meu avô, que passou mal e que você estava voltando com meu irmão.
Tudo bem. Desculpa, esqueci total de te ligar.
Me manda notícias!

Daqui a pouco, novamente o celular: Mãe chamando
Sua amiguinha já deve ter ligado para inventar a mentira que vocês vão me contar.
Ué, mãe, não quis te preocupar.
Em casa a gente conversa — um clássico das mães.

Por fim, Irmão chamando
Eu falei pra você que ia dar merda!
Ué, eu quis aproveitar mais!
Agora vai sobrar pra mim! Se vira pra voltar pra casa!
Tá bom

Eu estava tão feliz que liguei um foda-se a tudo. Cheguei na rodoviária do Tietê, peguei o metrô para a Vila Mariana e dali pegaria o ônibus. Meu irmão me liga de novo:
Onde você está?
Chegando na Vila Mariana
Me espera que vou te buscar.

Discutimos o caminho todo, sobre contar ou não para minha mãe a verdade. Eu queria contar e acabar com a farsa. Ele era totalmente contra. Chegamos em casa. Minha mãe, com a tromba maior que a de um elefante. Ignorei qualquer mau humor dela ou o quebra-pau no carro com meu irmão. Desfiz a mala, mantendo meu estado apaixonado e feliz, relembrando os bons momentos. Arrumei as fotos que tinha revelado antes de vir embora no álbum e uma que estávamos nos beijando não estava ali.

Como ele viu tudo antes, pensei comigo: “ele pegou a foto e eu não vi”.

Segunda-feira, o clima ainda era tenso. Nenhuma palavra trocada. Fui para a faculdade e depois para a terapia. Contei tudo que tinha acontecido. Minha terapeuta aconselhou que eu abrisse o jogo, também, da forma mais natural possível, Um carteado ou um chá da tarde. Nem precisou. Tinha contado para a Camila sobre como tinham ficado as coisas e sobre a foto desaparecida. Ao chegar em casa, entrei no quarto, liguei o computador para fazer alguma coisa. Meu irmão entra logo em seguida:

Eu te falei que não era para contar para a mamãe, mas tudo tem um jeito certo de se fazer. Olha o que ela me deu de presente hoje de manhã.

Ele pousou a minha foto do beijo. Minha mãe a encontrou caída no chão do meu quarto. Desse dia em diante, foram cinco anos ouvindo: “seu amigo vem dormir aqui?”, mesmo namorando, com aliança e tudo. Cinco anos de silêncio e distância entre nós.

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Mironga da Cachimba
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Escrevendo e compartilhando minhas vivências na jornada mítico-ancestral, como filho de àṣẹ. Por Gustavo Oliveira.