O objeto que fala com a alma

Bianca Kiszewski de Medeiros
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMar 31, 2022

Era o meu aniversário de 34 anos. Eu havia escolhido passar essa minha virada pessoal no Chile realizando meu primeiro intercâmbio e estreando a aventura de viajar sozinha. Exatamente no dia da minha celebração meus pais desembarcaram em Santigo e nós três juntos brindamos com um bom vinho chileno que eu havia ganhado de presente da escola de espanhol e sanduíches na cozinha de um apartamento aconchegante aquela data que pra mim sempre é muito especial. Amo fazer aniversário. Naquela noite meu pai comentou que não havia comprado nenhum presente, pois não conseguia mais saber do que eu gostava ou precisava. Compreensível entender a leitura dele sobre mim, afinal, eu também estava redescobrindo meus gostos e necessidades.

E em uma daquelas caminhadas despretensiosas em galerias comerciais meu pai me mostrou a vitrine de uma loja dessas mais exotéricas com incensos, cristais, budas porque até aí ele sabia que eu curtia. E ali também estavam algumas tigelas tibetanas, mais conhecidas como sinos, que eu já havia visto meus professores de meditação usar e eu recém formada em Mindfulness ainda não tinha a minha. Comentei com o pai sobre a tigela e que de fato era algo necessário quando eu fosse iniciar dar aulas de meditação. E na mesma hora ele respondeu: “então encontramos o teu presente!”.

E de fato, em 2019 comecei a ministrar os cursos e esse objeto me acompanha desde então. Eu não consigo contabilizar quantas pessoas fecharam seus olhos ao toque desse sino e respiraram mais profundo para se encontrarem consigo mesmas. E na mesma medida abriram seus olhos e retomaram no mesmo lugar mas na sua grande maioria, de uma maneira muito diferente. Particularmente vejo que as pessoas respeitam, confiam e se entregam quando ele toca como se algo conversasse com a alma e dissesse: “hora do corpo e da mente andarem juntos”, tipo mãe mandando os irmãos se abraçarem para pararem de brigar.

Ter recebido aquele sino do meu pai foi muito significativo. Era expressão de respeito, confiança e entrega também. Metaforicamente ele me dava a sua benção para seguir meus voos, mais altos, mais ousados na carreira ou na vida.

Desde 2019 esse sino tem tocado e especialmente em 2020 ele tocou muito no online ensinando muitas pessoas a respirarem profundo e viverem um dia de cada vez mesmo quando o medo de não ter o dia seguinte assombrou na pandemia. Muitos aprenderam a meditar e a estarem mais presentes pra vida e outro dado incalculável é quanto de vida isso devolveu nas vidas de cada um. Mais respiros, suspiros, sorrisos, aromas, abraços, sabores, olhares, paisagens são bem mais contemplados. Mesmo que a palavra da vez seja ansiedade, eu vejo um movimento lindo que acontece na contramão.

“Este é o teu presente”, independente de onde esteja, é a mensagem gravada na essência da minha tigela tibetana, ditas pelo meu pai e que reverbera a cada toque, em cada entrega. Eu sinto assim.

04marc22

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