O poder do papel (ou “o caso da pomada da bunda de bebê”)

Luisa Kalil
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMar 23, 2021
Foto de Ray Piedra no Pexels

“Nós não vendemos mais esse produto aqui. Acredito que você só conseguirá em farmácia de manipulação.”

Eu havia queimado três dedos naquela manhã, ao pegar uma forma de pizza a qual, encostada em uma chaleira fervendo, estava igualmente quente. Foi muito rápido, minha intenção era lavar a forma. Não pensei, foi automático. No momento em que peguei a forma, o barulho era de um bife tostando em uma chapa. No caso, era a minha mão.

Em menos de um segundo, coloquei sob água corrente, enquanto meu namorado preparava um saco de gelo. Qualquer instante sem contato com algo gelado dava a sensação de que minha mão ia queimar por inteiro e cair.

Devidamente enrolada no saco de gelo, o próximo passo era aprender a trabalhar melhor com uma mão só. Digitar já era um problema maior: possível, mas em velocidade quase nula. Áudios no WhatsApp, que salvação. Uma das mensagens do zap foi para minha prima, dermatologista (sorte, eu sei). Na resposta dela, um medicamento bom, utilizado pela maioria das emergências hospitalares — eficaz, porém, exigia receita.

Em pouco tempo, eu tinha a receita na mão. Quando peguei o papel, achei engraçado como uma folha pequena, com pouco mais que três linhas escritas, continha a solução para uma dor aguda, bolhas e, possivelmente, uma cicatriz. Quanto poder em poucas palavras.

Claro que, por trás delas, estava a ciência, o conhecimento de um profissional da área da saúde, uma médica especialista no assunto. Não era simplesmente um recado para o vizinho. Ao chegar na farmácia, a negativa oferecida pelo atendente do balcão me deixou perplexa. Se aquela folha não ia resolver meus problemas, qual outra opção eu teria? Para a minha sorte (novamente), havia uma alternativa: pomada para assadura de bunda de bebê. Se há pele mais sensível, desconheço. Produto adquirido, agora era uma questão de tempo.

A receita, ao menos por agora, não tem mais utilidade. Guardei mesmo assim, achei que poderia render uma boa história.

Desafio #004 | Mês: março

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