O que aprendi sobre morrer

Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readMay 22, 2021

A cada dia, parte de mim morre: num desejo, num fio de cabelo, em uma fala que esqueci ou guardei apenas para mim.

Isso me assusta e ao mesmo tempo me acalma. Achava que a morte era um bicho de sete cabeças que um dia tiraria tudo o que é meu. Mas a verdade é que ela está mais para o vizinho que me cumprimenta todos os dias pela manhã, sem me dar conta de que ele entra na minha casa quando não estou prestando atenção e vai mudando tudo de lugar.

A cada dia, parte de mim morre, e às vezes esse morrer vem cheio de luto e outras, vem como um banho depois de um dia de trabalho no verão. O problema é só quando não me dou conta desse esvair de vida, e me surpreendo ao olhar para uma foto me perguntando quem é essa pessoa ou de quem é esse cabelo?

Há também aquelas situações em que me apaixono por um momento ou por uma pessoa e não quero aceitar seus finais. Ao segurá-los, minhas mãos sangram e tudo de repente muda de cor.

É por isso que olhar a morte nos olhos é deixar fluir: para que esses instantes tenham o peso que lhes cabe, inclusive aqueles outros que já não quero nem lembrar.

Dá medo, sim, parece que fomos feitos para agarrar, congelar.

Mas às vezes, em um sonho, em uma meditação ou no fundo de um pensamento, há algo que sabe que morte é só a vida de ponta cabeça.

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Natália Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

Da tentativa de achar a palavra certa e nunca encontrar, nascem meus textos | insta: @nataliafig