O recomeço em um novo lar
Eu tinha dois anos e nove meses. Lembro como se fosse hoje. Devia ser por volta de umas 7h. O sol tinha aparecido há pouco tempo. Era Carnaval. Meu pai chegou e me pegou dentro do berço. Eu queimava de febre. Arrumou minhas coisas, fez uma trouxinha de roupas e alguns brinquedos e pegou um táxi. No caminho, disse que eu iria para uma nova casa, para um lugar melhor e teria uma nova mãe. Ao chegar no local, observei o jardim cheio de plantas, flores, roseiras e gatos. Ainda comigo no colo, chamou por ela. Jane apareceu, abriu a grade do terraço. Ele esticou os braços e me entregou em suas mãos
– Cria essa menina para mim, cuida dela como se fosse sua. Disse meu pai para a sua ex-esposa, aquela que eu chamaria de mãe pelo resto da minha e da sua vida. Ela sorriu, me pegou no colo e aceitou o desafio. Ele foi embora no mesmo táxi. Ensejei um choro.
Minhas irmãs apareceram sorridentes. Ficaram felizes porque teria uma criança em casa. Virei o brinquedo delas, que tinham, respectivamente, nove e treze anos a mais que eu. Em seguida, Jane me deu banho, penteou suavemente os meus dourados cabelos. Botou talco no meu corpo. Passou uma colônia infantil e me deixou brincando com bonecas das minhas irmãs e alguns cacarecos.
Logo mais, voltou com uma banana amassada com Farinha Láctea. Aquilo era muito gostoso. Ela me colocou no colo e, carinhosamente, colher por colher, deu aquela amorosa refeição em minha boca. Passou a mão nos meus cabelos, cheirou, deu um beijo e fez gatinho — que era passar nariz com nariz, coisa que ela sempre fazia antes de me colocar pra dormir, durante minha infância.
Eu senti a felicidade. Senti amor de mãe. Lembro poucas coisas daquele período. Mas estas cenas são inesquecíveis. Começaria, então, não somente uma nova vida, mas um verdadeiro lar.
desafio 02abr22 #lar
