O refri roubado

Luisa Kalil
Clube da Escrita Afetuosa
2 min readJun 19, 2021
Foto de Karolina Grabowska no Pexels

Quando pequena, minha mãe tinha uma loja de calçados e confecções. Eu estava à tarde e, após o colégio, costumava ir à loja ficar com ela, pois ainda não me deixava ficar sozinha em casa.

Era o início de um verão escaldante em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, e eu saía da aula todo dia às 17h20 morrendo de calor. No escritório da minha mãe, havia um frigobar, dos modelos mais simples, mas ali sempre tinha água.

Para minha surpresa, certo dia cheguei na sala, sedenta como sempre, e ali havia algo diferente. Uma latinha de refrigerante de limão. “Ela me ama!”, pensei, achando que havia sido presenteada em plena quarta-feira, sem motivo algum. Abri a latinha e no primeiro gole sorvido veio aquela refrescância digna de comercial de televisão, daqueles que tem até um “aaaaaah” no fim.

Com o refrigerante saboreado até a última gota, segui com minhas tarefas escolares, até o momento em que minha mãe retornou à sala, abriu o frigobar, e perguntou: “Você viu uma latinha de refrigerante que estava aqui? É do funcionário ali do caixa, ele pediu pra guardar porque a geladeira lá de cima não gelava o suficiente”.

Não sei qual foi meu semblante na hora, mas minha mãe logo captou o sentimento de culpa que pairou no ar. Sabendo que aquele crime não era tão grave, fez de conta que não era comigo. Chamou o funcionário, e pelo vidro da porta pude vê-la explicar qualquer coisa e entregar um dinheiro. Ele deu uma risada de leve, fez um movimento positivo com a cabeça e retornou ao trabalho.

No carro, a caminho de casa, resolvi confessar o roubo antes que a polícia tomasse conta da minha imaginação. “Mãe…..eu…..tomei….o refri”, disse. “Mas eu não sabia achei que você havia comprado pra mim não dizia nada na lata mas eu jamais teria feito isso se soubesse que não podia e você sabe que eu não sou uma criminosa”, continuei, ofegante.

Minha mãe começou a rir porque já sabia que a “responsável pelo crime” era eu. “Filha, tá tudo bem”, disse, me acalmando. “De fato, você não tinha como saber, eu não te avisei antes. Mas nas próximas em que ver algo assim, ao invés de deduzir que é pra você, pergunte antes”, falou, compreensiva, mas com aquele tom de lição que os recados das mães geralmente têm.

De fato, não cometi mais o engano, mas a felicidade que aquela latinha me trouxe, mesmo que roubada, ah, isso eu também não esqueço!

Desafio #002jun

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