Para dona Cida com amor
Hoje vou contar um pouco sobre a minha mãe. Eu a perdi há oito anos. Confesso que a ferida ainda está aberta. Mas chegou a hora de começar a tratá-la. E falar sobre isso é um grande passo para mim.
Ah, a dona Cida!
A dona Cida era uma mulher sensível, criativa e temperamental. Baixinha, falsa magra e espevitada. Adorava crianças, plantas e culinária. Não gostava dos noticiários policiais. Lamentava a maldade humana. Ficava triste com a pobreza e o sofrimento dos outros.
Justamente ela, uma mulher semianalfabeta que sofreu muito nessa vida. O rosto flácido e cheio de rugas denunciava sua dor. Ela tinha feito escolhas da qual se arrependia, numa época em que as mulheres não tinham muitas escolhas.
Minha mãe deixou sempre a vontade dela em segundo lugar pelos outros. Assumiu cedo o papel de MÃE dos irmãos e dos sobrinhos. E mais tarde, do marido e das filhas. Não viveu os papéis de MENINA, de SONHADORA, de GUERREIRA.
A dona Cida era simplesmente MÃE. E morria de medo que eu e minha irmã fôssemos pelo mesmo caminho. Por isso, sempre nos aconselhava a estudar, trabalhar. E lutar.
Apesar de seus dilemas pessoais, Cidinha, como gostava de ser chamada, permaneceu alegre. E sempre com muita fé. Até quando contraiu um câncer raro de pulmão. Foi pouco antes do nascimento do meu filho mais velho, o Rafael.
Eu descobri sobre o tumor na reta final da minha gravidez. O câncer levou a dona Cida embora em menos de um ano. Perdi a minha mãe assim que virei mãe. Numa tacada só.
Ganhar e perder amor assim faz a gente refletir sobre o que realmente vale a pena. Então, há cinco anos, dei uma tecla pause na minha vida. Eu precisava de um tempo.
Parei de trabalhar fora e decidi tirar um período sabático com os meus filhos em casa. Estava exausta fisicamente e emocionalmente. Não queria fazer mais nada. Sentir mais nada.
Mas hoje, oito anos depois, o que eu mais quero é honrá-la. E a melhor forma de fazer isso é cicatrizar minhas feridas e seguir um novo caminho.
Ouvir a voz interior e decidir para onde ir é muito difícil quando viramos mães. Cancelamos nossos sonhos por tempo indeterminado. E ficamos ali, tateando no escuro, em meio à rotina rígida de horários, afazeres e obrigações.
Mas ser só mãe não define ninguém.
Era o que a dona Cida tentava me mostrar: não abrir mão de sonhar. Nem pelos filhos.
Quando eu saí de casa, minha mãe teve a síndrome do ninho vazio e passamos a nos desentender. Mas nunca deixamos de nos amar. Toda vez que me encontrava, ela lamentava a nossa distância física, me entregava alguma comida caseira. E dava conselhos.
Um deles, ela sempre repetia: “Seja feliz com a sua família. Mas não abra mão de ser quem você é e do que você quer.”
Mulher sábia essa dona Cida.
#03jun22