Para o cão

Cláudia Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

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As receitas dele são assim. Os pacientes podem ter nomes engraçados ou solenes, comuns ou originais: Scooby, Tábata, Rex, Top Set, Raul, Maria Rita… Os cães são os destinatários das prescrições. Mas os donos, ou melhor dizendo, os tutores, aparecem como responsáveis por conduzir o desfecho dos tratamentos.

Acompanho as histórias, os enredos curiosos. Alguns, tristes. Meu marido trabalha com reprodução canina. Já perdi a conta das várias inseminações artificiais que assisti. Às vezes, como fotógrafa, porque ele precisa das imagens para as suas aulas. Em outros momentos, sou apenas companhia. Como as demandas não têm hora exata para surgir, a ida a canil já virou programa de final de semana ou feriado muitas vezes.

O engraçado é que gosto de assistir a tudo. Vejo o Guilherme, muito sério e compenetrado, tranquilo até o infinito, transformar-se na presença desses seres peludos. A naturalidade dele com os animais é espantosa. Os diálogos são espontâneos e verdadeiros. Ele esfrega as cabecinhas ávidas por carinho e sacia a vontade dos próprios dedos, que buscam aquelas orelhas e mandíbulas como se aquele encontro fosse indispensável para ele também. E é.

De alguma forma, vejo que homem e animal conseguem criar um canal de diálogo muito peculiar, independente de qualquer conhecimento linguístico ou de técnicas de adestramento que vemos por aí. Acredito muito na força dessa comunicação, válida para qualquer espécie. É um sentir o outro e ter pelo outro um grande respeito. Um bom veterinário, por exemplo, não subestima rosnados e avisos de perigo. Entende que os cães sentem medo e que seus donos, às vezes aflitos, precisam de compreensão também.

Com o tempo, Guilherme aprendeu a identificar as personalidades das pessoas pelos animais que vivem com elas (e vice-versa). E observa, curioso, o espelhamento das manias e trejeitos entre seres aparentemente tão distintos. Vejo que ele cuida dessas relações com amor e responsabilidade e entende o legado afetivo que pode acompanhar uma reprodução assistida. Por isso mesmo, não cria falsas ilusões sobre um cão, que é o centro da vida de alguém, mas que está muito velho ou incapacitado para se reproduzir, mesmo artificialmente.

Percebo que na Veterinária, assim como na Medicina, é necessário entender os ciclos da vida e aceitar que não podemos controlar tudo e que não há remédio para tudo. Algumas dores e perdas são inevitáveis, mas há oportunidades incríveis em todos os processos que cabem no viver. Reconhecendo isso, talvez sejamos mais atentos aos pequenos e preciosos momentos que merecem a nossa alegria. Guilherme sabe disso e sempre celebra as fotos das ninhadas dos amigos peludos com um sorrisão, dizendo: “meus filhotes nasceram”.

Cláudia Figueiredo, 30/03/2021

Desafio #4 março de 2021

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Cláudia Figueiredo
Clube da Escrita Afetuosa

Membro do Clube da Escrita da Ana Holanda. Busco nas palavras o céu de um novo lar.