“Pimentorium in anus outrem refrescus est”

Jogou o papel amassado de qualquer jeito na bolsa, saiu apressada e atrasada como sempre.

Se olhou no espelho do elevador e mentalmente se puniu por não pentear o cabelo.

Sua mãe diria que era desleixo, ela sabia que era falta de tempo, ou melhor, a maneira como não sabia lidar com ele. Como diziam: “acordava mais cedo para se atrasar com calma.”

Sim, vivia no limite da falta de educação.

E sabia disso, mas mudar já era outra coisa.

Conferiu se a lista estava mesmo na bolsa e foi.

Cumprimentou o porteiro e agradeceu silenciosamente por sempre haver a plaquinha com o nome. Hoje era o Adriano que estava na guarita do prédio cor de nada onde morava há dois anos.

Tirando os porteiros e a síndica, não conhecia ninguém. E não se importava.

Aquilo era temporário.

Continuou seu caminho pensando em como uma simples lista podia fazer a barriga dar looping dentro de si. Uma bobagem que fazia a frequência cardíaca acelerar mais que fórmula um. Se fosse possível tal comparação.

Chegou a farmácia e começou a andar pelos corredores buscando os itens mais básicos da lista preparada com antecedência.

Pastilha para dor de garganta, remédio para dor de cabeça, sabonete, cotonete, xampu para cabelos oleosos até que só faltava um item.

Chegou ao balcão, esperou a sua vez como quem espera uma vergonha anunciada.

Torceu para que a moça simpática terminasse o atendimento antes do rapaz alto de olhar julgador.

Óbvio que querer não significa muita coisa.

A voz grave chama : Próximo!

Não tinha jeito, a hora havia chegado.

Em que posso te ajudar?

Muito tímida disse: preciso de uma pomada para hemorroida.

Alguma preferência?

Não ter que passar por isso?

Ele sorriu. Afinal nem era tão alto e tão intimidador assim.

Pegou a pomada, colocou na cestinha e perguntou:

Algo mais?

Não. Obrigada. E se virando aliviada em direção a fila do caixa escuta em alto e bom som:

Não se esqueça de lavar a região anal antes da aplicação.

Se ela fosse a própria hemorroida, se esconderia e não sairia nunca mais.

#desafio nov/002

#clube da escrita