Planos de domingo

Michele Caroline Benages
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readAug 27, 2021

Esse texto foi escrito pensando em um momento no futuro onde a pandemia foi totalmente controlada no Brasil.

O café da manhã é a refeição mais sagrada do dia. O cheiro de café fresco e a crocância do pão francês são regra no fim de semana. Mas hoje, só hoje, abro uma exceção.

O sol brilha forte e passa um pouco das 9h. Olho pra cima de teimosia e a minha visão vira um caleidoscópio. Céu azul e nenhuma nuvem, como um bom domingo de feira deve ser.

Entro na Rua da Feira — que deve ter um nome como R. Maria Luisa de Alcantara Gomes Ferreira ou algo assim, mas todos no bairro a conhecem por Rua da Feira — e estaco. Ainda não me acostumei à lugares cheios, mesmo sendo seguro de novo. Antes, o estranho era estar de máscara. Agora me sinto estranha sem ela.

O cheiro de frutas frescas, flores e fritura me invade, assim como memórias de anos passados, em que visitar feiras era algo comum, não um evento que exigiu uma conversa com a minha ansiedade, tentando convencer (a mim e a ela) que era seguro ir.

Continuo andando e vejo as primeiras barracas: a de brinquedos de plástico, que tem os mesmos itens desde que eu era criança, e a barraca de consertar panelas, ambas vazias.

Em seguida, vejo uma explosão de cores: flores dos mais variados tons e tipos. Buquês e vasos de diferentes tamanhos, abrigando rosas, tulipas, orquídeas e a minhas preferidas: girassóis. Poder sentir o perfume das flores sem máscara é uma sensação que eu tinha esquecido. Assim como sorrir para pessoas enquanto falo bom dia.

O aroma de frutas que senti antes fica mais forte, com um toque agradável de terra molhada que só alimentos frescos tem. Vejo três barraquinhas de verduras, legumes e frutas, apinhadas de gente com ecobags e carrinhos de feira.

Demoro um pouco olhando as opções e escolho duas peras e três maçãs. Complemento com um pé de alface e um de rúcula para o almoço. As folhas acabaram de ser molhadas pelo feirante, sinto a água molhar meu braço quando as coloco na ecobag.

Meu estômago ronca, me lembrando do verdadeiro motivo de ter saído de casa. Desço mais alguns metros e encontro as duas barracas de pastel. Desde criança vou na segunda barraca, que pertence a um dos (milhares) de amigos de infância do meu pai. Sou uma cliente fiel, mesmo vendo que primeira barraca tem lugares vagos para se sentar.

No balcão, o cheiro de fritura e o barulho do pastel tocando o óleo quente me arrebatam. Uma mistura de saudade com tristeza pelo tempo perdido sem essa experiência simples. Lembrança de outras feiras que visitava com frequência, como a que tinha perto do meu antigo trabalho toda quinta-feira.

Peço o de sempre: um pastel de queijo. Na primeira mordida, ele queima minha boca, mas isso faz parte da experiência. Assim que ele acaba, emendo um pastel de frango com catupiry que deveria ganhar uma estrela Michelin. Por fim, me sinto satisfeita (até demais).

Pago e continuo andando. Escuto o barulho vindo da barraca de caldo de cana antes de avistá-la. Um copo geladinho de caldo de cana com limão seria perfeito agora, mas acho que vou deixar para o próximo domingo.

Foto tirada com pressa pois a vontade de comer logo o pastel era maior.

Desafio 4 - Escrever um texto sensorial: cheiroso como uma feira

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Michele Caroline Benages
Clube da Escrita Afetuosa

Vivo dentro dos livros. Quando saio deles, gosto de fazer lettering, escrever e atualizar o Bullet Journal.