Prejuízos incontáveis

Michelli Possmozer
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readApr 26, 2022

Os jornais noticiam diariamente os prejuízos financeiros causados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia. No 47º dia de conflito, o portal UOL divulgou o dispêndio de aproximados 600 bilhões de dólares para a Ucrânia, alvo dos ataques. Mas fico aqui pensando nas perdas incontáveis, que estão na dimensão subjetiva de quem é atingido pela guerra. O número de mortos, esse sim, aparece nas manchetes. Mais de mil civis, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), e cerca de 15 mil soldados russos, conforme a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ambas estimativas do final do mês de março. Mas e aquilo que não se pode contabilizar?

É difícil imaginar como deve ser viver num cenário de guerra sem nunca ter passado por tal situação e nem conhecer quem passou. Quando olho para o que está na superfície — números e bombardeios — parece tudo muito distante de mim. Mas quando penso nos sentimentos, nos traumas, nos medos e nas incertezas que todas essas pessoas estão vivendo, começo a me colocar de outra forma, saindo desse lugar de mera expectadora ou leitora de reportagens.

É muito bom ter casa. Ter uma cama aconchegante para dormir todas as noites, tomar banho no próprio banheiro, ter onde fazer as refeições e poder assistir a um filme ou série na TV nos momentos de folga. Como tudo isso faz parte da minha rotina, já está naturalizado, mas fico imaginando como seria ter meu direito de ter casa tirado de mim de repente por uma guerra que não é minha. Ser obrigada a sair da minha cidade ou até do meu país, viver como refugiada em uma terra que desconheço, com gente que não me reconhece como parte dali. Fico aqui tentando imaginar como deve ser deixar para trás o lugar onde enterrei minha avó, saber que não poderei mais visitar seu túmulo, agora cravado por destroços de bombas.

Imagino como eu me sentiria ao ver o colégio onde estudei, e do qual guardo tantas memórias, em ruínas. Não seriam só paredes derrubadas. Iriam embora, também, as oportunidades de reviver as lembranças que só fazem sentido naquele espaço. Dia desses, eu me entristeci quando vi que a árvore na qual escrevi meu nome e do meu marido em um coração quando a gente namorava não existe mais. Por algum motivo que desconheço, ela foi arrancada de lá. Por minha sorte, a árvore ainda sobrevive em uma fotografia que tiramos junto dela, logo depois do nosso registro. Esse meu sentimento de tristeza, claro, é muito pequeno perto das perdas de uma guerra. Mas ele me possibilita imaginar a frustração e a dor de ver um bombardeio destruir a igreja onde me casei. De ver o lugar onde nasci e cresci ser desmoronado por razões que nunca vou compreender. Meus sonhos, desfeitos. Minha vida, invadida e tomada pela guerra. Prejuízos incontáveis.

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