Protagonista? Eu?

Karol Candido
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readFeb 15, 2022

Quando tinha, mais ou menos, 8 anos encuquei que queria ser atriz. Eu amava assistir às novelas e depois sair pela casa fingindo que era personagem de alguma delas.

Não foi uma, nem duas vezes que me peguei diante do espelho colocando cabelo para o lado e passando um batom vermelho, surrupiado da estante lotada de perfumes e mais itens de beleza da minha vó, para encarnar ninguém mais, ninguém menos que Paola Bracho.

No meio das histórias tantas que eu criava, chegavam algumas certezas. Queria mesmo ser artista.

Inventei de fazer teste para participar de Chiquititas e quis, por que quis, fazer um book fotográfico e curso de atriz na Talentos Brilhantes, agência do famoso Moacyr Franco. Pois é, como vocês podem ver, minha vida infanto-juvenil era bem pautada pelo SBT. Graças a minha vózinha, dona Rosa.

Apesar do carinho nostálgico pela emissora, felizmente, cresci e meu senso crítico para conteúdos áudio-visual melhorou bastante. Mas, bom, isso não vem ao caso agora.

Acontece que numa dessas idas e vindas para cursos, fotos, etc. e tal na Talentos Brilhantes, chegou o dia de fazer meu teste de comercial. Cheguei lá sem muita informação, com meu óculos desajeitado e me sentindo diferente das menininhas todas emperequetadas, que flutuavam por ali.

Descobri, alguns minutos antes de entrar em cena, que precisava ter criado e treinado uma ideia do que falar no comercial, de que produto anunciar e enfim.. Eles foram negligentes com meus pais em muitos episódios. Esse foi um deles. Não sabíamos desses pequenos (só que não!) detalhes.

A Karolzinha de 8 anos de idade, e já muitos graus de miopia, se viu perdida, numa sala com uma câmera, sem saber o que falar. A ideia repentina? Um comercial vendendo meu óculos. Bingo!

Criativa sempre fui. Pena que junto com a ideia veio a insegurança do improviso e a falta de visão. Após tirar meu óculos redondinho, não via mais nada nítido na minha frente. Tudo ficou embaçado. Quis chorar, mas aguentei firme. A voz esquisita como quando se tem uma bola na garganta.

Provavelmente, a diretora pensou que era nervoso, mas não.. Era uma criança de 8 anos sentindo cada pedacinho de uma coisa chamada frustração.

E aí, como vocês já devem imaginar, o meu desempenho não foi dos melhores. Saí de lá com um outdoor bem gigante dentro do meu cérebro com a seguinte pergunta: será que isso aqui é mesmo pra mim?

Dias depois, insistindo mais um pouco, fui fazer meu book fotográfico de modelo, como gostava de chamar.

Lá estava a minha menininha (gosto de tratar com carinho a minha versão criança, como vocês podem ver) toda empolgada novamente. Fecho os olhos e posso lembrar do meu sorriso de orelha a orelha.

Mas, na hora da maquiagem, eis que sou surpreendida novamente com o maquiador nos sugerindo voltar outro dia. Segundo ele, minha testa estava com algumas bolinhas que pareciam cravos e isso, com certeza, iria atrapalhar o resultado das fotos e meu desempenho na carreira.

“Volte outro dia, depois que vocês tratarem essas bolinhas na testa, vai ser melhor”. Eu, deitada na cadeira de maquiagem, olhando para aquele cara falando só pensava: “isso não é pra você”.

Fui embora e nunca mais voltei. Depois disso, tranquei numa gaveta todos os meus sonhos que pudessem me colocar como protagonista de algo e o letreiro piscando escrito em letras garrafais “isso não é para você” está sempre aparecendo aqui dentro.

Entre os específicos desejos engavetados pela dor de uma criança ferida, está o de escrever crônicas na internet e quisá publicar um livro. Ah.. publicar um livro.. Eu até tentei para o meu TCC na faculdade de jornalismo, mas.. Ah, quer saber, isso não é pra mim.

Sim. Vivo boicotando minha veia artística, que é latente. Que grita. Que se sufoca em mim. Sempre deixando trancafiados o meu amor por escrever, por desenhar e colorir, pelo lúdico, pelo audio-visual e pelo dom de me comunicar de forma única. Simplesmente porque me fizeram acreditar que não é pra mim. Que não serei aceita, que não estou preparada, que não irão gostar.

É por isso que não público meus textos, que não ligo a câmera, que não assumo meu papel de protagonista com tanta facilidade quanto minha criança interior queria que fosse.

Talvez, com um pouco mais de terapia, consiga tirar, de uma vez por todas, cada um dos meus sonhos mais lindos e especiais dessa gaveta. Inclusive, talvez, eu já esteja destrancando, uma a uma, todas as trancas colocadas. Quanto mais mergulho em mim, mais viro as chaves todas.

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Karol Candido
Clube da Escrita Afetuosa

Libriana, jornalista, mãe de dois guris, apaixonada por uma boa história, pesquisadora de tudo um pouco e astronauta.