Queen Elizabeth

Christine Rutherford
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readFeb 21, 2021

Quando éramos crianças, ir passar algum tempo na casa dos meus avós paternos era sempre uma delícia. Sempre tinha biscoitinhos gostosos, e o “chá das 5” fazia parte da tradição, já que meu avô era inglês.

Mas hoje, pensando em uma história pra contar, lembro que eu e minha irmã ficávamos fascinadas toda vez que a minha avó deixava que brincássemos com suas roupas. Abrir aquele armário era uma alegria!

Minha avó era uma mulher muito elegante, sempre impecavelmente arrumada. Secretária executiva de uma companhia aérea internacional, trabalhava no centro da cidade, sempre de saia, camisas de seda e blaser. Lembro que achava lindo dizer que minha avó usava tailleur, e dizia que quando crescesse queria me vestir como ela.

Mas voltando ao armário. Nele ficavam seus vestidos de festa. Lindos vestidos, cheios de bordados e fios brilhantes. Vestíamos roupas e sapatos e de repente era como se fôssemos as próprias princesas dos desenhos. E ela, minha avó, achava graça e assistia nosso desfile como se fosse algo super importante, e pra nós era mesmo.

Mas tinha um vestido em especial, o mais lindo de todos, no meu olhar de criança. Era azul celeste, com pedras bordadas. Um vestido de baile, que minha avó usou uma única vez, e meu avô apelidou de Rainha Elizabeth, comparando aos vestidos usados pela rainha. Sempre riamos dessa história, mas não podíamos vesti-lo porque era muito pesado, e minha avó sempre dizia: “Quando crescer mais um pouco ele vai ser seu!” E eu esperava que aquele dia chegasse logo.

Eu cresci, e a brincadeira de usar as roupas dela já não fazia mais parte. Fazíamos outras coisas, mas nem me lembrava mais dos vestidos. O tempo foi passando, e aquela mulher elegante foi sendo substituída por uma senhorinha que muitas vezes ficava confusa e esquecia das coisas… e o armário, só foi ser aberto por nós, os netos, depois que o meu avô se foi. Naquele momento, ela não podia mais permanecer na casa que sempre foi sua, e nem tampouco manter todas as suas coisas. Todos aqueles vestidos, que foram objetos de desejo na minha infância, ganharam outra conotação.

Abrir aquele armário pra poder “dar destino” para as coisas que não podem permanecer, foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida. Porque de repente, tudo aquilo que sempre esteve, que era o porto seguro, simplesmente não está mais…meu avô morreu, e minha avó, de certa forma, foi junto. A promessa de que os seus vestidos seguiriam adiante, também se foi.

Não sou o tipo de mulher que usa tailleur mas definitivamente esse não foi o único aprendizado que recebi da minha avó. Uma mulher forte e cheia de personalidade que agora se encontra frágil, e precisando de cuidados. Espero que em algum lugar da sua mente ela ainda guarde essas lembranças, e que isso talvez possa aquecer seu coração. Só sei que essas são as lembranças que vão levando adiante não apenas seus vestidos, mas toda a vida que experimentamos juntas e que segue comigo, pra sempre.

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