Sacanagem!

Taciana Collet
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readApr 26, 2022
Banco de imagens

Ele é um sacana. S-A-C-A-N-A em maiúsculo e separado. Ele podia ter levado a TV que eu nem ligo mais. Carregado o rádio que tanto me irrita com aquelas narrações de campeonato da terceira divisão nos domingos de tédio. De tudo que existe nesta sala, ele só não podia ter me roubado o que roubou. Porque foi um roubo.

A TV nós dividimos em dez prestações. Eu paguei cinco e ele, a metade. O rádio nunca foi meu. Esse cacto sem vergonha, em forma de nem vou dizer o nome, foi ele que me deu. Ele é um sacana e só pensa em sacanagem. Pensa se eu tenho cara e corpo de quem vai cuidar de uma planta assim? Aliás, cacto é planta? Por que ele não levou esse bichinho?

E a cortina que a mãe dele deu pra gente? Cortina de segunda mão, bem presente de sogra mesmo. Uma cor de pêssego passado. Nunca tirei pra lavar com medo de desbotar mais ainda. Por que ele não levou a cortina? Seria favor. Não estaria nem aí se ele tivesse carregado até o sofá no caminhão de entrega que a firma prometeu emprestar.

Mas o sacana partiu sem dar tchau e só levou a foto. Até a moldura do retrato em cima da TV ele deixou. Agora a moldura fica emoldurando o branco encardido da parede. Justo a foto, a única foto minha que eu fazia gosto de ver. Porque não era qualquer retrato. Eu estava de batom vermelho e cabelo escovado na hora retratada.

Depois de sorrir pra foto, o moço da fotografia me roubou um beijo, disse que não resistiu à vontade de comer a cor de maçã do meu lábio carnudo. O retratista nem mora na cidade, veio só pra festa do peão de boiadeiro pra tirar foto de quem quisesse. Pagando, é claro. Eu juntei dinheiro contado em três meses pra ter uma foto tipo de atriz de TV.

Só nós dois no estúdio improvisado no curral do parque da pecuária. Eu, de chapéu com bota de cano longo e salto alto. Ele me pegou pela cintura amarrada com cinto de estrela e me tascou um beijo. Eu tasquei um tapa de volta e gritei que era mulher de família. Virei as costas e fui embora orgulhosa da minha cena de novela das oito. Passei de novo o batom tirado porque não ia passear na festa de cara lavada.

Nunca mais vi o moço da fotografia, mas era só passar em frente da foto que eu dava pra suspirar. O sacana que partiu sem me dar tchau deve ter percebido que tinha alguma coisa errada, comigo ou com a foto. Ciúme do que não viu. Podia ter carregado a TV, o rádio, o cacto ou a cortina, até o sofá. Levado a casa inteira, mas escolheu roubar a foto tirada pelo retratista ladrão.

É ou não é um S-A-C-A-N-A?

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Taciana Collet
Clube da Escrita Afetuosa

Escrever me faz leitora de mim. Sou uma jornalista que segue em busca do humano que há em nós.