Sonho estrangeiro

Paola Lima
Clube da Escrita Afetuosa
3 min readApr 5, 2022
Foto: Internet

O sonho era viajar. Conhecer outra cultura, encontrar hábitos diferentes, uma história distinta da sua. Sem ter crescido numa família abastada, as viagens da infância e adolescência eram visitas a casa de tios no estado vizinho. Nada muito extravagante. Mas o sonho de visitar outro país foi acalentado por livros e filmes ao longo da vida.

Ao entrar na faculdade, era difícil disfarçar a admiração mesclada com um tiquinho de inveja dos colegas que carimbavam passaportes a cada férias. Louvre, Coliseu, Estátua da Liberdade. Museus e monumentos pelo mundo que ela via nas fotos dos amigos e sonhava um dia também poder registrar.

A chance veio quando trabalhava em uma redação de jornal, pouco tempo depois de formada. O salário, comprometido com aluguel, luz, água e uma baladinha no final de semana, ainda não suportava passagens e hospedagens. O comprometimento e a paixão pelo jornalismo, entretanto, deram uma ajudinha.

Uma série sobre o Poder Legislativo, feita em parceria com três colegas, ganhou um prêmio de jornalismo local. Além de dinheiro, a premiação incluía passagens ida e volta e hospedagem para qualquer país da Europa, com direito a acompanhante.

Eram quatro repórteres na série e a solução foi sortear o pacote internacional. Ela ainda tentou desmembrar passagens e hospedagem para partilhar entre eles, na esperança de adiantar ao menos um pedacinho do sonho de infância. Ninguém aceitou. Sorteio feito e o universo se encarregou de que fosse dela o nome a ser lido no papelzinho.

Passagens nas mãos, hospedagem reservada, o mundo era pura ansiedade até a data do embarque. Um mês antes, a organização do prêmio, que enfrentou uma crise financeira, a chamou para uma conversa. Teve certeza de que cancelariam tudo. Imaginava que seu sonho não seria realizado assim tão “facilmente” afinal.

O chamado não cancelou a viagem inteira, somente o hotel quatro estrelas que ela reservara em Paris, no charmoso bairro de Marais. As passagens, porém, estavam mantidas. O medo havia sido tamanho que ela nem se importou. Procurou um hotel barato próximo da Torre Eiffel e seguiu sem dormir esperando a hora de fazer as malas.

Era tanta tensão que ela acreditava que morreria atropelada na semana da viagem. Ou um piano cairia do alto do prédio quando estivesse voltando do trabalho para casa. Coisas de gente louca, de escorpiana, brincavam as amigas.

No dia de embarcar, marcou salão para dar uma geral na aparência. Afinal, seriam 20 dias de fotos na Europa. Resolver colorir de vermelho o cabelo castanho. Mechas em vários tons. Uma verdadeira obra de arte — que levou quase cinco horas para ficar pronta. Saiu do salão linda, mas atrasada a ponto do namorado, que teve a sorte de ser escolhido como acompanhante, a esperar na porta de casa, com a chave na mão e a bagagem na mala do carro.

Correram. Chegaram na hora das chamadas para o embarque. O coração disparado e a cabeça em um sermão interminável “não-acredito-que-vai-perder-o-voo-por-pintar-o-cabelo” não a deixavam respirar. Embarcaram. Colocando o cinto de segurança, segurou o choro. Melhor comemorar quando descessem em Roma. Por via das dúvidas.

Pisaram na capital italiana no início da noite. No taxi, a caminho do hotel, olhou pela janela. O Coliseu despontou no final da avenida, musicado pelo som do italiano cantado do taxista, que tentava falar de futebol com os passageiros do Brasil. Conseguiu. Enfim. Chorou.

01abr22

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