Um cândido macambúzio
Ele atravessava o corredor do quintal até a casa dos fundos assobiando e cantando.
Era o sinal que estava chegando para nos visitar.
Sempre vinha sem avisar.
Inesperadamente. Raramente.
A mãe parecia estar sempre o esperando.
Sem surpreender-se, arrumava o prato de arroz com feijão, carne moída e maxixe, esse legume assemelhado ao chuchu que era feito refogadinho. Ele amava.
Seu chapéu marrom de abas largas era o primeiro a despontar na porta da cozinha e não encobria seus olhos de esmeralda.
A barba branca, sempre por fazer, denunciava a velhice.
Camisas brancas e calça de tergal cor de chumbo.
Era de poucas palavras.
Era alto e magro e tinha longos braços fortes de quem trabalhou na roça.
Migrante usou a força de carpir para levantar casas para os outros.
A sua casa era simples e tinha cheiro de maracujá e erva doce plantados no quintal.
Seu quarto nos fundos, separado da avó, era abrigo dos dias de quietude e tristeza. Nestes dias, ele ficava macambúzio, dizia minha mãe em sua mineirice, buscando nos explicar os humores inexplicáveis.
Em muitas e muitas vezes, nossa visita o encontrava debaixo das cobertas, escondido do mundo até a cabeça, e só se animava quando aceitávamos jogar “rouba-montes,” repetidamente. Todos juntos, nós e ele virávamos crianças a brincar e rir por longas horas. Ao irmos embora, sua tristeza parecia menos triste.
Vô Cândido. Inocente. Singelo. Criança.
Na seletividade amorosa da memória, a candura ganhou da tristeza e ficou sendo sua marca para mim.