Um cândido macambúzio

Laize Barros
Clube da Escrita Afetuosa
1 min readNov 13, 2021

Ele atravessava o corredor do quintal até a casa dos fundos assobiando e cantando.

Era o sinal que estava chegando para nos visitar.

Sempre vinha sem avisar.

Inesperadamente. Raramente.

A mãe parecia estar sempre o esperando.

Sem surpreender-se, arrumava o prato de arroz com feijão, carne moída e maxixe, esse legume assemelhado ao chuchu que era feito refogadinho. Ele amava.

Seu chapéu marrom de abas largas era o primeiro a despontar na porta da cozinha e não encobria seus olhos de esmeralda.

A barba branca, sempre por fazer, denunciava a velhice.

Camisas brancas e calça de tergal cor de chumbo.

Era de poucas palavras.

Era alto e magro e tinha longos braços fortes de quem trabalhou na roça.

Migrante usou a força de carpir para levantar casas para os outros.

A sua casa era simples e tinha cheiro de maracujá e erva doce plantados no quintal.

Seu quarto nos fundos, separado da avó, era abrigo dos dias de quietude e tristeza. Nestes dias, ele ficava macambúzio, dizia minha mãe em sua mineirice, buscando nos explicar os humores inexplicáveis.

Em muitas e muitas vezes, nossa visita o encontrava debaixo das cobertas, escondido do mundo até a cabeça, e só se animava quando aceitávamos jogar “rouba-montes,” repetidamente. Todos juntos, nós e ele virávamos crianças a brincar e rir por longas horas. Ao irmos embora, sua tristeza parecia menos triste.

Vô Cândido. Inocente. Singelo. Criança.

Na seletividade amorosa da memória, a candura ganhou da tristeza e ficou sendo sua marca para mim.

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Laize Barros
Clube da Escrita Afetuosa

Ajudo pessoas a alinhar vida e carreira. Psicóloga mestre psicanálise e educação -usp. Escritora de minhas histórias e das que espio nas janelas da vida.