Voto Primeiro
Agora, olhando o mar inundar-te no altar do Santo, e sempre. Sempre que o relógio atrasar o afeto em dívida. Sempre que o acordar não nos seja o mais macio e as preocupações sejam as maiores. Sempre que a toalha pousar sobre os lençóis ou tuas roupas sobrarem sujas ao chão. Sempre que, inquietos, não nos bastem as palavras. Sempre que o repetir mudo dos dias cegue-nos à beleza do outro.
Hei de viver-te em todas as desimportâncias, destino de quem ama.
No café sem açúcar da segunda. No correr de dias e já é terça. No cansaço silente da quarta. No beijar repetido da quinta. No antecipar a alegria da sexta. No cochilo do sábado. No amor molhado do domingo. O compromisso de derramar sobre ti meus olhos e afetos.
E, se te cerco de olhares, creia-me puro egoísmo.
Pois, se temo tua ausência súbita no repentino da morte, quero-te clausura em mim. Assombra-me o correr de dias a deteriorar-nos a carne, fim dos vivos. Que o tempo não nos adoeça o bastante, apenas o suficiente. Para vivermos o nascer de filhos e o gotejar de netos.
O amor que respiramos imaterial ocupará pulmões outros.
Assim, rogo, a ação do afeto restará a ocupar todas as respirações. No compartilhar suas alegrias. No dividir suas retinas, seus escutares de vento. Ali estaremos. Além de um no outro.
E será, por fim, o viver eterno do afeto silente.
#Desafio03mar2022