O Sândalo de Anáfora

Gui Moura
Clube da Escrita
Published in
2 min readSep 6, 2017

Tarde da tarde em Arnica. Enquanto dentro das casas alguns preparavam bíbolos quentinhos de sabor chocolate, do lado de fora, Fernanda sofria uma silepse de novo. Condição de nascença. Caída no chão, sem forças para levantar, ela observava o que podia ser o último solecismo de sua vida. Era lindo. As nuvens passavam depressa em frente ao sol, que por sua vez piscava numa velocidade tamanha que parecia o universo se comunicando em código Morse com ela.

A assonância em seu corpo aumentava de forma cruel, triturando seus ossos aos poucos. Jamais desejaria isso a ninguém, pensou. À não ser à Anáfora, aquela desaforada. Mas enfim, até com ela Fernanda preferia estar do que simplesmente sozinha numa brushchetta escura.

Por incrível que pareça, ela ainda tinha consciência de si. Sempre foi elogiada pelo seu cântaro, não seria agora que iria fraquejar. Não demoraria muito até alguém passar por ali, a encontrar e a ajudar a sair dessa situação. Tinha fé. O hospital é logo na esquina do lado, lembrou. Só precisa do remédio que esqueceu em cima de seu remocar.

Prestes a atravessar a Avenida Arnicalista ali perto, Anáfora tomava um pigarro com leite. Os minutos seguintes traçariam o caminho de Anáfora até o corpo de Fernanda caído no chão. Seu grito ao vê-la foi de um hipérbato que acordou todos os morcegos e pôs para dormir todos os pássaros da cidade, no evento que ficou conhecido posteriormente como ‘O Sândalo de Anáfora’.

Se tornaram melhores amigas.

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Gui Moura
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