QUARTA-FEIRA

Mar de Tinta
Clube da Escrita
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1 min readAug 26, 2017

Vento gelado no rosto, ponto de ônibus lotado. Eu sempre a encontrava às quartas-feiras no ponto na frente do mercado, eu com minha mochila nas costas, fones de ouvido e um livro na mão, ela segurando sua mochila de carrinho e olhar atento, sempre com pressa.

Começamos nos encontrando no ponto, depois descobri que descíamos na mesma avenida, eu um ponto depois do dela. Então, comecei a, propositalmente, pegar o mesmo ônibus que ela, apenas para ter um tempo a mais para olhá-la. Ela sempre pegava o primeiro que passava, mesmo que depois tivesse de descer e pegar outro. Eu preferia esperar o que ia direto, mas comecei a fazer esse esforço.

No começo, ela parecia contente, satisfeita. Mexia no celular, mandando mensagens para alguém e dando risadas. Um dia, começou a se retrair. Ela parecia encolher, o celular deu lugar a um livro vermelho e os olhos, quando não estavam grudados na história que lia, estavam vidrados e aquosos.

Nossos raros encontros semanais cessaram por duas semanas, nas quais eu não a encontrei em lugar algum. Na terceira semana, lá estava ela, mas dessa vez as lágrimas corriam soltas por seu rosto. Pensei em finalmente falar com ela, mas quando tomei fôlego, seu telefone tocou. Mais lágrimas. Parecia falar com sua chefe, discutiam sobre algum assunto. Ela não queria ir a algum lugar, mas foi convencida. Mais lágrimas. Entrou no primeiro ônibus que passou, não tive tempo de acompanhá-la.

Nunca mais a vi.

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