Casal se reinventa a cada dia para manter conexão com alunos na China

Dorivândia Ribeiro
Clube de Realizadores
6 min readSep 3, 2021

Ser professor é ter que se reinventar a cada dia e em tempos de pandemia da Covid-19 a criatividade e improviso fazem toda a diferença. Sabiam?

Já imaginou sair de folga do trabalho para um feriado e tudo se transformar de uma hora para outra, ao ponto de você não ter a chance de resgatar o material necessário para suas atividades laborais diárias?

Foi o que aconteceu com o casal de professores brasileiros que trabalham em Pequim (Beijing), na China, Victor Raphael Araújo e Amanda Lobo Alves Araújo.

Eles dão aulas de alfabetização e educação física para crianças em uma escola internacional, na capital chinesa, e saíram de folga para a celebração do Ano Novo Chinês, um dos feriados mais importantes para a sociedade chinesa, quando há uma pausa no trabalho para festejar com a família. É como se fosse o período do Natal e Réveillon aqui no Brasil.

E foi em meio a essa celebração tão importante para a cultura daquele país, quando milhares de pessoas viajam para suas cidades de origem, que a população foi surpreendida com as medidas de restrições e isolamento social impostas para conter o avanço do surto do novo coronavírus, que teve início em dezembro.

As aulas foram suspensas e os donos da escola onde Victor e Amanda trabalham não conseguiram retornar para Pequim. Eles não puderam nem voltar à escola para pegar qualquer tipo de material. “Eu tive que preparar tudo em casa e de forma digital. Eu raramente mostro alguma coisa para os meus alunos, o que eu uso para dar as aulas são um quadro e um marcador, que serve para escrever”, explica Amanda que é professora de educação infantil e tem alunos com idade entre três e quatro anos.

Já Victor Rapfael, professor de educação física, improvisou usando seus tênis e meias. “No meu caso, já que eu não tenho o cone e estou sem nenhum material das aulas de educação física, eu adapto usando um tênis e crio bolas com meias, o que é bom porque são materiais que as crianças têm em casa”.

Para eles é tudo muito novo. O casal já havia vivido uma experiência fora do Brasil, nos Emirados Árabes, em 2018. Em agosto de 2019 embarcaram para a China para trabalhar em uma escola internacional de educação infantil, onde a língua predominante é o inglês, e conhecer novas culturas.

Eles estavam se adaptando bem à nova rotina e adorando a experiência, mas veio o novo coronavírus para mudar tudo de uma hora para a outra.

Com as restrições rigorosas impostas pelo governo chinês para conter o surto da Covid-19, eles sentiram que as coisas iam demorar a voltar ao normal e que eles não iriam aguentar ficar isolados por muito tempo dentro de um apartamento pequeno, no frio asiático e sem ter muito o que fazer. Então começaram a pensar na possibilidade de voltar para o Brasil.

Victor disse que foi muito difícil tomar a decisão, mas depois que a escola os liberou para irem a qualquer lugar desde que voltassem quando a instituição retomasse as atividades, eles não pensaram duas vezes: compraram as passagens e, em dois dias, estavam no aeroporto embarcando com destino a Brasília.

A viagem

O retorno para Brasília foi tenso. Segundo o casal, ao chegar no aeroporto eles já se assustaram com a rigidez no acesso ao local. “A gente teve que passar por três gates (portões) onde tínhamos que medir a temperatura, passar por uma câmera corporal para confirmar se realmente não estávamos com febre, fazer a higienização do corpo, de bolsas e mochilas. O aeroporto estava complemente vazio. Eu acho que eles estavam liberando voo por voo, bem distante um do outro”, lembra Victor Raphael.

Ele conta ainda que o voo deles estava lotado e que foram 11 horas dentro da aeronave sem poder tirar a máscara, só podia tirar para comer. Quando chegaram na Etiópia, onde fizeram conexão e permaneceram por 3 horas, tiveram novamente que passar por um rigoroso controle para ver temperatura e fazer higienização. Só chegando ao Brasil que isso não aconteceu: “estava tudo liberado”.

Nova rotina

Desde que voltaram para o Brasil, os dois criaram uma rotina própria de trabalho. No início, davam aulas on-line para as crianças na China, diariamente, de segunda a sexta-feira.

Amanda dividiu a turma em dois grupos e dava meia hora de aula para cada um. Já Victor Raphael, único professor de educação física da escola, dava aulas de 20 minutos para cada turma, distribuídas durante a semana.

Mas no meio do caminho a escola teve que cortar gastos e diminuiu os salários dos professores. Com isso, Victor e Amanda também diminuíram a carga horária de trabalho. Agora, Amanda está dando aula uma vez na semana e os pais pediram aulas privadas. Então, por fora, e com o aval da escola, ela oferece sessões particulares por grupo.

No caso do Victor, ele diminuiu as aulas: ao invés de todos os dias da semana, passou para duas vezes apenas, e misturou as turmas de acordo com a faixa etária.

Para eles está sendo uma experiência diferente e um grande desafio ter que se reinventar a cada dia, para planejar aulas e atividades criativas que posam prender a tenção dos pequenos chineses.

Segundo o casal, essa situação trouxe uma nova realidade para professores de todo o mundo e abriu novos horizontes sobre o que pode ser feito de diferente também em outros cenários.

Outro fator positivo causado por esse momento de pandemia foi um engajamento maior das famílias na educação dos seus filhos, segundo Amanda. Para ela, está havendo uma maior integração entre escola e família. E isso está sendo muito bom.

Falta suporte

Assim como os profissionais de educação aqui do Brasil, Amanda e Victor reclamaram da falta de suporte e disponibilidade de material didático para aplicar nas aulas, por parte da escola em que trabalham.

Para eles, é tudo muito novo e ninguém, nem escolas e nem professores, estavam preparados para essa situação. “Eu acho que aqui no Brasil, inclusive, as pessoas tiveram um pouco mais de tempo para preparar o material para trabalhar de casa. Lá na China, entramos na quarentena durante um feriado, então não tivemos acesso a nenhum material que estava dentro da escola, tivemos que preparar tudo em casa”, observa Amanda.

Ao comparar as diferenças entre o trabalho que vem sendo realizado por professores aqui do Brasil e o deles, eles informam que preparam videoaulas que são dadas ao vivo e acontecem no fuso horário da China. ”Eu tenho diariamente contato com os meus alunos em uma aula com 100% de interatividade. Depois a gente manda um planejamento para os pais darem um suporte e realizarem, com os filhos, atividades que possam agregar”, explica Amanda.

Segundo o casal, na China, os alunos não têm dificuldades com a internet; todos têm acesso sem limitações e possuem bons equipamentos para acompanhar as aulas sem dificuldades: computadores, celulares, entre outros equipamentos tecnológicos de qualidade.

Para Victor e Amanda, está sendo uma experiência incrível e gratificante, uma vez que estão conhecendo outras culturas e convivendo com pessoas de países, como: Estados Unidos, Inglaterra, África, Alemanha, Canadá, Peru, além da China.

“A gente convive com pessoas de várias culturas. É interessante lidar com isso, aprender como as coisas funcionam em outros lugares, as sutilezas da cultura de outros países e como se celebram datas comemorativas fora do Brasil. Isso tem agregado muito às nossas vidas! ” Declara Amanda.

Eles só votam para a China quando tudo passar. Pelo visto Victor e Amanda ainda passarão por muitos desafios e aprendizados e terão que se reinventar ainda mais como profissionais quando voltarem para Pequim.

Como será que as coisas vão funcionar por lá, onde tudo começou?

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