CORONABUSTERS DA FAVELA

Regiane Bochichi
Clube de Realizadores
5 min readAug 31, 2021

Hiago e Tandy Firmino estão sanitizando a comunidade Santa Marta, no Rio, com água sanitária

O ano é 2020. Cenário: a cidade chinesa de Wuhan. Cena: homens borrifam enormes nuvens de spray desinfetante em ruas completamente vazias.

O ano agora é 1984. Cenário: a movimentada Nova York. Cena: um grupo de aloprados parapsicólogos sai às ruas para caçar fantasmas.

O que une a realidade e a ficção do cinema é a imagem de pessoas equipadas lutando contra um inimigo invisível: uma combatendo um vírus que está matando milhares de pessoas ao redor do mundo e outra, só mais uma ficção de Hollywood, o filme “Ghostbuster”.

Continuemos no ano 2020. Cenário: as ruas e becos da favela Santa Marta, localizada na zona sul do Rio de Janeiro. Cena: dois irmãos juntam forças e dinheiro, improvisam equipamentos e percorrem cada cantinho da favela onde nasceram, jogando água sanitária para dar início a uma longa batalha contra o coronavírus.

O “filme”, que tem tudo para ser apocalíptico, com esperança pode ter um final feliz. Por ora, ficamos com o seguinte roteiro: Thiago Firmino quer ajudar a comunidade a combater a doença, mas não tem recursos.

O ator principal deste drama já é bem conhecido no Rio e mundo afora. Considerado um porta-voz do morro, sempre esteve à frente de iniciativas para buscar soluções para o seu entorno o que levou a participar de eventos na América Latina e na Europa. Como fotógrafo, já teve seu trabalho exposto na França, em Londres, estampado em capas de jornais e de revistas internacionais.

Os últimos dias não foram diferentes. Firmino tem dado mil entrevistas sobre a ideia que teve de juntar as duas cenas descritas acima e partir para a ação. “Comprei uma roupa de proteção de desinsetização, máscaras para pintor, um grande pulverizador, 40 litros de água sanitária e fui jogando pelas ruas e paredes”, conta.

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Thiago e Tandy pulverizam a favela em ação inédita no Brasil

Para conseguir a verba inicial, usou de uma outra habilidade. Formado como DJ pelo Senac, fez muitos amigos no universo da música. Um deles, o rapper dinamarquês Gilli Angilo, bancou esta primeira ação. A ideia era usar um dos sites de financiamento coletivo, mas a demora em receber o dinheiro retardaria a tarefa urgente.

Agora, ele e Tandy, o irmão e parceiro na empreitada, estão recebendo doações por meio de uma conta bancária.

Novos produtos

Eles também estão pesquisando novos produtos, porque, de acordo com o Conselho Federal de Química, a água sanitária diluída em água é rápida e eficaz para matar o vírus, só que seu efeito acaba em poucas horas. O produto mais indicado seria o quaternário de amônia, um desinfetante e desengordurante de alto rendimento, que demora para agir, mas tem resultado mais prolongado.

A sanitização do espaço público já foi adotada no Rio no começo do século 20. Em 1903, Oswaldo Cruz, diretor geral de Saúde Pública do governo de Rodrigues Alves, cargo que corresponde atualmente ao de Ministro da Saúde, fez uma verdadeira faxina nas casas para matar o mosquito que transmitia a febre amarela, o surto daquela época.

O pioneirismo de Thiago é usar a técnica em favelas. “Já estou em contato com os moradores da Babilônia, do Leme, da Maré e de outras comunidades para a gente criar um exército da limpeza”, comenta. “Não podemos ficar esperando o poder público, pois ele nunca olhou para a gente mesmo. Cada morador tem que fazer sua parte”, diz. Vejam o recado dos irmãos neste vídeo

Quem se importa?

Neste ponto vale lembrar que o Dona Marta ficou famoso em 1996 por ser palco do clipe “They Don’t Care About Us”, do mega popstar Michael Jackson. Na tradução livre, “eles não se importam com a gente” pode retratar a atual situação por lá. Dos 21 guaris que faziam parte do programa Lixo Solidário, sobraram 5. O fornecimento de água é irregular e funciona, a maior parte do mês, em sistema de revezamento. A primeira Unidade de Polícia Pacificadora ( UPP ), programa implantado no governo Sergio Cabral, em 2008, teve seus quadros reduzidos.

“A realidade sempre foi dura. O que fizemos é uma gota no oceano. Se não servir para matar o coronavírus, ajuda a diminuir a proliferação de percevejos, carrapatos, pulgas”, relata. E, para isso, precisam ser “velozes e furiosos” contra a sujeira, fazendo trocadilho com mais um filme gravado por lá.

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Moradores aplaudem a ação

Enquanto tenta ajudar, a vida profissional de Firmino está suspensa. Dono de muitas habilidades, já que desde criança aproveita todos os cursos que oferecem na favela, tinha se estabelecido como guia de turismo local. Chegando aos 40 anos, estava com uma clientela grande, com ótimo índice de aprovação no Tripadvisor e podia dar conta da mulher e do filho adolescente.

Agora, tudo parou e ele também terá que se reinventar. Criatividade, inteligência e força de vontade não lhe faltam. “Fico com o fone por uma hora assistindo lives na internet. Eu pego muitas dicas assim, vendo coisas online. Eu ouço bastante coisa, filtro e dou uma direção do meu jeito.”

E, pelo jeito, sua direção está no caminho certo.

Vídeos e fotos de Thiago Firmino.

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Regiane Bochichi
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Profissional de comunicação e transmídia com sólida experiência em ações de marketing e conteúdo jornalístico, adquirida em mais de 30 anos de atuação em empres