Eremitas modernos, hikikimoris desafiam medo e solidão

Nathalia Barboza
Clube de Realizadores
4 min readSep 3, 2021

Por Silvia Matos, para o Especial Corona

Você já ouviu falar em hikikimori? É um termo de origem japonesa que designa um comportamento de extremo isolamento doméstico. Embora tenha sido circunscrito à síndrome característica da população japonesa, estudos já mostram inúmeros casos semelhantes em vários países no mundo, inclusive no Brasil.

Imagens: Maika Elan

Segundo a Wikipédia, “esse tipo de comportamento é atualmente tido como problema de saúde pública no Japão, onde milhares de jovens se encontram nesta situação devido ao alto grau de perfeição exigido das pessoas em tarefas diárias e à pressão acarretada por tal exigência, o que acaba levando muitas pessoas a problemas psicológicos de baixa autoestima e em alguns casos extremos tendências psiquiátricas graves”.

Mas o que esse comportamento tem a ver com o aparecimento do coronavírus no mundo?

A pandemia da covid-19 obrigou todo o mundo a adotar o isolamento social como forma de controle da doença enquanto a ciência não descobre uma vacina. Com a nossa liberdade de ir e vir cerceada, sendo obrigados a realizar quase todas as atividades da nossa rotina dentro de casa, fomos forçados a descobrir novos hábitos para sobreviver com mais sanidade a essa pandemia.

Acostumados com o isolamento social voluntário, os praticantes de hikikimori provam ser possível conduzir uma rotina de vida dentro de casa quando você estabelece que as relações sociais e de convívio serão exclusivamente por meio de conexões on-line.

A prática de jogos eletrônicos, animes, videogames ou qualquer coisa experienciada no ambiente virtual sugere uma compreensão de que é possível viver em isolamento e com pouco contato com pessoas na vida real. Mas é claro que essa característica não se aplica à grande maioria. Se fizermos algumas possíveis adaptações para os nossos hábitos, podemos encontrar formas de passar por esse período com mais saúde emocional e com a paciência necessária. Possivelmente, vamos fazer muitas das coisas de que gostamos, mas não temos tempo.

Estatísticas

O Japão estima que cerca de um milhão de japoneses tenha desenvolvido hikikimori e que essa seja uma síndrome mais comum em pessoas jovens. No entanto, relatos de março de 2019 do Asahi confirmam que já existem muitos hikikimouris com mais de 40 anos. Estes não foram contabilizados pelas estatísticas do governo, mas apresentam todas as características desse comportamento.

A matéria Quem são os hikikomori, os jovens japoneses que vivem sem sair de seus quartos, publicada pela BBC, em março de 2019, informa que isso não ocorre apenas na Ásia; também se dá em países como Estados Unidos, Espanha, Itália e França, por exemplo. E o Brasil já vem observando casos de hikikimoris.

O mais interessante é que o hikikimori é mais comum em homens. Como característica, também, a maioria teve uma infância com pais superprotetores que criaram adultos e crianças isolados por conta da pressão exercida por eles ao longo da vida.

Analisando o contexto do impacto da pandemia, Masukivieviski Borges, psicólogo estudioso da síndrome japonesa, relata que uma das sequelas sociais que a pandemia vai deixar são os potenciais hikkikomoris que desenvolverão mais ansiedade ou angústia de contato social por dificuldade de se relacionar e por medo de se infectar. “Eles vão se isolar ainda mais. E, dependendo de quanto tempo passem isolados, podem perder uma melhor capacidade de sentir empatia. Isso gera um círculo vicioso somado ao fato de que podem (sobre)viver bem com seus avatares digitais”, conta Masuki, que já atende um jovem hikikimori em Recife (PE).

Lições para os dias de isolamento

O South China Morning Post publicou a matéria What Japan’s hikikomori can teach the world about self-isolation during coronavirus pandemic, na qual defende que diversos relatos de casos de hikikimoris, alguns definitivos e outros temporários, figuram como escolhas de vida. A grande maioria das pessoas ouvidas na matéria relata a possibilidade de escolher fazer o que gosta, mas também a dificuldade de encontrar um trabalho fixo. No entanto, eles próprios demonstram ser quase um tempo sabático, com pouco contato social, mas com a tranquilidade de viver bem e protegido.

Essas pessoas são exemplos que trazem lições para estes dias de isolamento. Por meio de suas experiências, o que nos resta é aprender o que é possível enquadrar em nossa realidade. Dessa forma, será mais fácil e mais leve encarar o isolamento como uma passagem que nos dá a oportunidade de mudança.

Crédito das fotos: Maika Elan

*Silvinha Matos (@matossilvinha), é jornalista, idealizadora dos projetos de encontros Inovatalk (@inovatalk) e Virando a Pauta. Atua como assessora de comunicação do Centro de Informática da UFPE há mais de 15 anos e adora temas ligados à inovação, comportamento e tecnologia, além de ser uma mulher privilegiada e encantada com as belas narrativas da vida.

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