Filharada pira: na pandemia, terceira idade vira celeiro de rebeldes

Nathalia Barboza
Clube de Realizadores
5 min readSep 2, 2021

Pode confessar: em algum momento de março você teve de apelar para certa chantagem emocional com seu pai, sua mãe ou avós… Ah, quem nunca? No início da crise de coronavírus no Brasil, provavelmente muitos filhos e netos por aí usaram a mesma tática, não é?

Lição de casa

A minha mãe, por exemplo. Dona Eládia Gonçalves Barboza, 70. Resistiu até o limite à ideia de se isolar em casa. Empresária, mulher valorosa, muito ativa, mas diabética e hipertensa, argumentava que os negócios do escritório não poderiam parar… Até que o coração falou mais forte:

E é verdade. Eu e meus irmãos proibimos a própria mãe de sair de casa, aqui em São Paulo. Ao mesmo tempo, nós, como a maioria dos amigos e parentes, tentávamos entender de onde saía tanta resistência e de onde surgiram ao mesmo tempo tantos “velhinhos rebeldes”. “Onde eles estão com a cabeça? Por que é tão difícil convencê-los a acatar o isolamento? Por que não ficam em casa!?”, eram os comentários mais comuns.

Foto: Ju Paié @belezadeverdadephotografia

O trabalho de convencimento foi árduo. Difícil demais convencer a própria mãe de que a situação era séria e de que a quarentena tinha de ser pra valer.

Pensando nela e em muitos outros, fomos ouvi-los, deixá-los dizer o que estão sentindo, porque agem assim e o que mais incomoda nesse negócio chamado quarentena. Acompanhe mais depoimentos:

Rebelde sem pânico

O servidor público Eduardo Costa, 64, Maceió (AL) está de férias e confessa fazer parte do “grupo dos rebeldes sem causa”, mas se diz mais acomodado agora. Para ele, o importante é não entrar em pânico. “Passamos o dia limpando e deixando sujo para ter o que fazer no dia seguinte”, conta, resiliente. Mas vê um outro lado positivo: “alguns amigos que estavam distantes têm se aproximado”, revela. Ouça ele mesmo explicando tudo:

Tá chato, mas tá bom

Para a dona Roseana Costa, 67, de Recife (PE), a quarentena só é chata porque limita as pessoas de circularem. Mas aí, o jeito é sacudir ao som das lives de cantores populares e gastar o tempo no crochê…

Vida organizada e amor ao próximo

A dona Maria Eugênia Matos, 69, também de Recife e irmã de Roseana, confessa sentir muita saudade da família, mas garante estar com a vida organizada. O isolamento social tem servido também para praticar o amor ao próximo: ela tem feito algumas máscaras que estão sendo doadas para amigos e funcionários do prédio.

Dança sem par

Sueli Martins, de São Paulo, garante que está em casa, “em paz”. Mas sempre foi festeira, e o que está fazendo falta mesmo são os bailões: ela saía duas ou três noites para dançar e agora tem de ocupar o tempo com as plantas e filmes na TV, além da parceria do filho Sandro.

A dona Rosenir Ribeiro do Nascimento, 71, de Brasília (DF), também participava todo domingo de um forró para a terceira idade e é quem faz tudo dentro de casa.

No momento, já que ficar em casa é a prioridade, ela recomenda ligar o radinho e dança em casa mesmo!

Otimismo e fé

A aposentada Cidinha Zibordi, 75, mora em Mogi Guaçu (SP) e também está tendo como tarefa se adaptar à nova realidade. “Estou sozinha, com Deus. Super bem. Aqui no condomínio, tem uns jovens que vão na farmácia e no mercado para a gente. Aqui na cidade não tem ainda nenhum caso confirmado. Mesmo assim eu não saio. Faço exercício em casa, porque ia na academia, palavras cruzadas. Mesmo para levar o lixo, vou com máscara. Estou me protegendo não só por mim, mas também pelas pessoas que trabalham, como os funcionários da limpeza. Se cada um fizer sua parte, com amor, vamos sair logo dessa. Sou otimista e tenho muita fé. Minha cabeça é super boa. Estou lidando bem com isso; até melhor, porque estou limpando minhas gavetas e vendo as roupas que não servem para depois doar tudo. Lógico que bate saudade dos netos e filhos, que moram em outras cidades. Todos os dias eles me ligam. Isso vai passar. Tudo passa. Estou me comunicando até mais; falo muito mais pelo WhatsApp. Acho que isso vai ser muito bom, porque está tendo muito mais preocupação dos mais novos com os mais velhos. Tudo vai melhorar nesse ponto. Está todo mundo refletindo nessa parada obrigatória.”

Já a dona Madalena Sousa parece que estava se preparando para a crise. “A gente está preocupado, mas disfarça, né? Meu sentido não sai de Deus, nunca. Já que não posso sair, estou me virando, fazendo uma coisa, outra”, conta ela, que mantém um armário cheio de linhas e lãs para fazer tapetes e toalhas de crochê.

Ela mora em uma chácara em Brasília e ainda sustenta boa parte da família. Aposentada, antes de entrar em isolamento pegava quatro ônibus por dia. É muito católica, tem muita fé… Mas, como uma neta a descreveu “acredita que quase tudo pode ser curado com as plantas. E ela planta de tudo. Sabe todos os segredos e combinações dos banhos místicos que a gente tem que tomar para se livrar das energias ruins”.

Além de muito religiosa e talentosa, dona Madalena também tem muita intuição. “Faz tempo que venho recolhendo coisas e guardando, juntando até tampinha que encontro no meio da rua. Tenho duas caixas de garrafinhas e outras coisinhas, tintas de todas as cores. Parece que eu estava sentindo. Pensava em juntar para que quando tivesse tempo, ficasse em casa, pudesse fazer um monte de coisas. Parece que Deus estava me ajudando a juntar tudo. Quem é que ia adivinhar que iria acontecer essas coisas no mundo inteiro?”

Pois é, dona Madalena, donas Cidinha, Rosenir e Maria Eugenia, seu Eduardo… Esse tempo chegou. Que bom que estão bem, saudáveis, e, como boa parte dos nossos velhinhos, estão se cuidando. Vai passar!

Você pode ouvir aqui a versão PODCAST dessa reportagem.

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