Grande desafio dos mestres é aprender a ensinar diferente
Modelo de Educação está em xeque, e os educadores tentam lidar com as mudanças e transformações que mexem com os nervos de toda a sociedade.
A vida, às vezes, dá um jeito de obrigar a humanidade a mudar. Uma pandemia faz isso: impõe quebra de paradigmas e novas vivências, mesmo que momentâneas. A sala de aula não teria como fugir disso. Foi parar na sala de estar, na cozinha, quarto, varanda. Mudou de lugar desde que começou o isolamento social por conta da Covid-19. E não poderia deixar de transformar as relações também.
Até no ensino superior, onde muita lousa e giz já deram lugar à tela do computador, tablet e celular, numa guinada em direção ao EaD (Ensino a Distância), quem é mestre está se vendo obrigado a aprender, como qualquer aluno, com a realidade totalmente nova. Conversamos com alguns educadores que lecionam em universidades e em cursos livres para entender como eles estão vivenciando esse momento.
O psicólogo João Andrade, que atua nos programas de pós-graduação da Ciências Médicas e na unidade de formação empreendedora do Sebrae Minas, descreve bem o momento histórico que marca 2020:
É fato que não dá mais para esperar até 2030 para ser protagonista. Então, assim como ele, Fe Moreira, professora da Escola de Teatro e Interpretação para vídeo, em Joinville (SC), tem tentado se adequar aos novos tempos. Veja:
Como pós-graduanda em Marketing Digital, Fernanda “corre atrás”, buscando absorver ao máximo as novas linguagens digitais, mas explica que não é fácil driblar a desigualdade técnica entre as velocidades de internet de alguns alunos ou a falta de computadores de outros, o que garantiria a eles assistir a uma videoconferência de forma mais agradável. “Muitas vezes, isso atrapalha o aluno, que se sente excluído ou fica irritado porque a conexão está travando, caindo”, comenta.
Para ela, há ainda o desafio de quebrar a barreira da vivência física tão importante para quem atua nas artes cênicas:
A primeira vez a gente não esquece
A jornalista Luana Sena, que é mestra em Comunicação e professora da área em uma instituição no Piauí, revela que esta é sua primeira prática em EaD. Segundo ela, as aulas são gravadas no estúdio da faculdade com a qual havia fechado contrato antes da pandemia. “Deveriam ser aulas presenciais, mas aí veio o decreto de isolamento, e a coordenação passou a fazer tudo à distância pra cumprir os prazos de formatura dos alunos. Ela descreve como tem sido essa experiência:
Luana confessa que sente falta mesmo é da “magia da troca”, o que só aumenta os desafios diante do cenário virtual:
Faz muita diferença você falar para uma câmera, para o computador, se vendo na tela. Falta a interação. Boa parte da magia e da eficiência de uma pedagogia excelente que acontecem na sala de aula vêm da troca. E essa não está sendo possível à distância.
O resultado disso, sem uma pergunta inusitada do aluno, são aulas bem mais enxutas, completa Luana:
Autocapacitação
Por conta do isolamento social, a rotina de Lucas Goulart Collares, também professor do Sebrae Minas, mudou completamente. Ele foi se isolar com parentes em um sítio. “Somos três famílias de professores lidando com a nova realidade. Esposa, sogro, sogra e cunhado, todos professores”, revela.
Do seu “retiro forçado” pela pandemia, no entanto, ele descreve uma visão de evolução do cenário educacional por conta das bases digitais. “O que acho mais interessante é que os professores estão se autocapacitando. Aqueles que antes usavam aulas expositivas agora se viram obrigados a trabalhar diferente. Com isso, puderam descobrir novas formas de ensinar”. Por isso, para ele, “a educação brasileira nunca mais será a mesma”.
Em sua experiência, diz que muitos colegas reaprenderam a lecionar e trazer para os alunos uma experiência boa do ambiente remoto, mantendo a “escola aberta”:
Goela abaixo
Apesar disso, na maior parte do país, o sistema de ensino universitário brasileiro continua muito conservador e, óbvio, a troca pelo modelo digital, à distância, encontra muita resistência de profissionais que não estavam ainda preparados para a mudança.
É sempre bom lembrar que o conceito de EaD engloba uma série de ferramentas e metodologias específicas (como a disponibilidade de tutores on-line e de aulas na maior parte das vezes assíncronas e a suposição de que o estudante usufrui de muito mais autonomia no seu processo de aprendizado) e que elas não são necessariamente o que a educação remota, emergencial, está utilizando no momento.
Como a pandemia forçou muito gestor educacional a impor o processo de aulas remotas goela abaixo, sem planejamento ou fase de transição, Laís Xavier, CEO da empresa de tecnologia Mídias Educativas, se mostra reflexiva sobre a eficácia de sua aplicação. “Isso preocupa bastante. Algo que poderia ter sido uma evolução incrível, dependendo da metodologia e do processo utilizados, muitas vezes está sendo construído de maneira inadequada, gerando uma sensação ruim em quem está inserido nela”, lamenta.
Segundo Laís, a tecnologia não é a “bala de prata” para a educação. “Ela não resolve tudo, mas pode facilitar quando bem usada, com a metodologia adequada; pode amplificar o conhecimento, a experiência”, garante.