Máscaras caseiras de pano: amor em tempos de pandemia (Fotos: Raphael Bózeo)

Mamãe pegou agulhas, retalhos e sentou-se na frente da máquina de costura no seu pequeno ateliê, no quarto ao lado do seu.

A entrada de luz da janela a sua frente iluminava suas pretensões e as músicas de Zé Ramalho na TV da sala preenchiam o cenário de produção artesanal de mais de 300 máscaras de pano.

Desde quando se aposentou, em abril de 2017, com 35 anos de trabalhos prestados na Petrobras, busca algum propósito. Essa falta de referência de produção, que pega muita gente desprevenida, a derrubou. A deixou em alguns momentos deprimida, sem norte e com falta de propósito.

Mamãe precisava de um tempo para ela. Casou-se cedo com meu pai, tiveram dois filhos e logo se separou. Teve que segurar uma barra danada sozinha. Nos educou, ensinou valores e não descansava mesmo para fazer o melhor para nós.

Depois que estávamos mais crescidos, fez curso técnico de turismo e graduação em recursos humanos. Era uma das melhores da turma com CR acima de 9,5, algo que jamais cheguei perto.

Triângulo de benefícios

Pois bem. Agora, na hora de descansar, aposentada, não conseguia. Sentia-se vazia. Eu sempre dizia a ela para buscar algo que a preenchesse, alguma missão, projeto. E no meio desse turbilhão mamãe reencontrou o artesanato e fechou um incrível triângulo de benefícios.

A primeira ponta foi enxergar um propósito de vida através do artesanato e suas produções próprias. Havia um tempão que não a via tão empolgada, sorridente, produtiva e leve. Faz patchwork, costura e adora fazer presentinhos para as duas netas — minha filha Maria e a Letícia.

#Ficaemcasa e faça o bem: venda das máscaras já beneficiou muita gente

A segunda ponta foi o benefício das máscaras para quem está realmente precisando se proteger e não encontrava onde comprar, principalmente os vizinhos do condomínio onde mora.

E o faturamento da venda das máscaras fecha a terceira ponta. Tudo que está sendo arrecadado é revertido em cestas básicas para doação. Já foram mais de 40 cestas encaminhadas para famílias que necessitam em diversos pontos de Macaé (RJ).

Afago

Na passagem de um vírus tão pequenino e com tantos estragos, dores, perdas e pânico, eu também encontrei um afago para o meu coração: ver a minha mãe tão leve, dedicada e solidária. Ver um trabalho tão singelo e importante sendo feito. Vê-la no quartinho de casa aproveitando uma habilidade para produzir e fazer o bem, colaborando para vencer uma luta tão difícil e dolorida para todo o mundo.

Desculpem não ter falado o nome da minha mãe até agora. É Renilda. Pedi a ela para não largar o artesanato, para que isso vire um projeto que entregue mais leveza às pessoas.

Para o meu orgulho, ela vai seguir costurando amor por aí.

Ela viu na crise um propósito diferente e solidário

*Texto de 2020, no início da pandemia.

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Raphael Bózeo
Clube de Realizadores

Pseudojornalista vidrado por fotografia e com paixonite por cinema. Encantado por cultura afrobrasileira, amo samba sem saber dançar. Vivo mais do sobrevivo.