Na quarentena, as crianças ensinam o que realmente importa

Dorivândia Ribeiro
Clube de Realizadores
7 min readSep 3, 2021

“Mãe, eu fiz uma coisa, mas foi sem querer, mãe; me desculpa, me desculpa; foi sem querer. Eu dei um abraço na vó sem querer, mas foi tão bom, foi tão bom, mãe!” (Carol Pureza, 10 anos — Maceió-AL)

Estou me sentindo estranha, estou preocupada com as pessoas lá fora, no mundo. Eu me sinto feliz por ter uma casa para ficar e gostaria de que todo mundo pudesse ter isso. Estou orgulhosa dos profissionais de saúde que estão trabalhando duro para que todo mundo fique bem logo.” (Luíza Arruda, 13 anos — Brasília-DF)

“Eu sei que eu posso pegar o coronavírus e não ter sintomas, mas se eu pegar o vírus eu posso vir para casa e passar para vocês aqui de casa e para meus avós, que eu vejo de vez em quando. Eu desejo que o corona vá embora e que ninguém fique doente.” (João Miguel, 9 anos — Brasília-DF)

“A coisa boa da quarentena é que eu posso ficar mais com a minha família e posso aproveitar mais o meu tempo. O lado ruim é que eu não posso brincar com os meus amigos, não posso abraçar a minha família, nem beijar. Estou morrendo de saudades dos meus amigos, pois só posso falar com eles por videochamada.” (Matheus, 8 anos — João Pessoa-PB)

Confesso que, ao me preparar para colher o depoimento de crianças para essa matéria, esperava uma enxurrada de reclamações do tipo: ‘não aguento mais ficar em casa’, ‘quero ir para a rua brincar com os meus amiguinhos’, ‘não vejo a hora de voltar para a escola’.

No entanto, os depoimentos que abrem o texto demonstram que as crianças são mesmo uma caixinha de surpresa, são seres muito sensíveis, iluminados e puras sem igual. Neste momento delicado para o mundo, elas estão preocupadas com as pessoas que não têm onde morar, com os pais e avós, com os profissionais de saúde que estão cuidando das pessoas infectadas e se sentem sensibilizadas pelo fato de não poderem abraçar e beijar pessoas que gostam.

Lar doce lar

Mas, de tudo que ouvi, o que me chamou mais a atenção foi o fato de todas elas confessarem que estão amando ficar em casa com a família, pais e irmãos.

A pequena Lina Hajouji, 8 anos, de Manaus (AM), está adorando ter os pais por perto para ajudá-la com as tarefas da escola (ela está tendo aulas on-line), para brincar com eles, orar e ler a bíblia. “O lado bom dessa quarentena é que a gente se reúne com a família e, graças ao celular, também consegue falar com outras pessoas.”

“Gosto muito de ficar o dia todo com os meus pais, com os meus irmãos. Acho muito divertido! Na escola, eu tenho que ficar longe deles. Estou gostando muito de ficar aqui em casa para ficar com eles e reunir a família”, confessa Nadine, 8 anos, de Brasília (DF).

Para Ana Clara, 7 anos, também de Brasília, o lado positivo de tudo isso é poder estar o dia todo com a família. Já o negativo é sentir saudades de várias pessoas que gosta e não poder visitá-las por causa do coronavírus.

Ana gravou um vídeo listando tudo o que está fazendo em casa durante a quarentena. Veja:

Mudança de paradigmas

Com a correria do dia-a-dia e a quantidade imensa de atividades e de responsabilidades de filhos e pais, antes do isolamento social o convívio familiar era, na maioria dos lares, bem precário. Os pais normalmente saem para trabalhar e os filhos ficam com a empregada ou aos cuidados de parentes próximos, como os avós.

Hoje, com tempo de sobra em casa, as famílias sentam-se à mesa para as refeições, brincam, fazem oração juntos, assistem filmes, séries e conversam bastante. Uma mudança de paradigma que, com certeza, irá influenciar positivamente o convívio familiar daqui para frente.

É o caso da família do Vinicius de Siqueira, de Brasília, 4 anos. Além do Vini, como chamam o pequeno, os pais têm duas meninas, as gêmeas Maitê e Cecília. A mãe, Priscila Araújo, confessa que as duas primeiras semanas de confinamento foram bem difíceis; o estrese e a ansiedade afetaram o casal e, consequentemente, toda a família.

Mas, com o passar dos dias, eles conseguiram adequar a rotina, e hoje inventam brincadeiras divertidas dentro de casa, conversam muito com as crianças e todos os dias descem com elas para que brinquem um pouco ao ar livre em um espaço verde próximo ao edifício onde moram.

Assim como as outras crianças, Vini está simplesmente amando ficar juntinho da família. Confira:

Convívio que ensina

Para a psicóloga da Infância e Adolescência e especialista em Terapia Cognitiva Comportamental Gemmima Bandeira Dourado, o grande benefício de tudo isso é que as pessoas estão se conhecendo dentro de casa.

“O que noto são os pais finalmente entendendo as dificuldades que os filhos tinham, porque, indiretamente, eles terceirizavam muito os pequenos para outras pessoas. Quanto mais tempo se passa fora de casa, dentro de uma rotina conturbada, menos se tem para as crianças. Com o convívio, os pais conseguiram perceber os problemas e as habilidades delas”, avalia a especialista.

Em seu consultório, Gemmima atende em torno de cem pacientes, entre crianças e adolescentes. Desse total, 90% tinham mais de uma atividade antes da pandemia, além de frequentar a escola. Ou seja, as crianças não tinham tempo para elas mesmas e estavam sempre cansadas. Com a quarentena, dormem mais, descansam, têm horas de sobra para brincar e conviver com os pais e irmãos.

“Estou fazendo coisas que eu não podia antes, porque estava muito ocupada, tipo pintar, assistir filme, comer pipoca, fazer as atividades do escoteiro e tomar banho de piscina com a minha sobrinha”, relata Maria Christina Buss, 9 anos, de Brasília.

Como ficarão essas famílias quando tudo isso acabar e voltar ao normal? Será que as coisas serão como antes ou será que as pessoas vão repensar as suas rotinas? Até porque, lembra a psicóloga, antes da quarentena, a maioria das crianças já se queixavam do distanciamento familiar, da ausência dos pais e do cansaço pela quantidade excessiva de atividades.

A pequena Giovanna Arruda, 6 anos, da mesma cidade, está aproveitando a quarentena para brincar de boneca, assistir TV e jogar videogame, mas confessa: “sinto falta dos meus amigos, das minhas primas e das amigas que moram longe. Estou com saudades de viajar e sentindo falta da vovó Sônia e da Helena”.

Quando acabar a quarentena, a primeira coisa que a Giovanna quer fazer é viajar.

Caio Gomes, 12 anos, mora em Auckland, na Nova Zelândia, onde também foi estabelecido o isolamento social. Ele revela estar se sentido triste com a situação e diz ter saudade dos amigos, da escola e da vida normal. Em compensação, conta, está gostando do fato de ter mais tempo para brincar com os irmãos e poder ir todos os dias ao parque.

Pedro Monteiro, de 7 anos, do Rio de Janeiro, diz que o importante nesse momento é pensar o lado positivo do período de quarentena que é poder estar com a família e inventar brincadeiras. Vejam as dicas no vídeo:

Eu já não tenho mais crianças em casa, mas dias atrás minha filha de 20 anos falou que está amando ter toda a família dentro de casa. O convívio diário por mais tempo tem nos aproximado mais e nos feito compreender melhor uns aos outros.

Sei que quando tudo isso passar seremos pessoas diferentes, mais sensíveis, menos ansiosas, mais companheiras, compreensivas, solidárias e com uma definição mais precisa sobre o que é conviver em família.

Para quem tem criança em casa, acredito, as mudanças serão ainda maiores. Percebi que temos muito o que aprender com esses pequenos seres humanos que carregam dentro dos seus corações sentimentos dos mais diversos, além de muito amor, empatia e sensibilidade.

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