O professor e o velho giz: é um adeus ou um até breve?
Um pai entrou no meio de uma aula on-line para dar bronca na professora. Assim mesmo, diante de todas as crianças, quebrando o paradigma da soberania do professor em sala de aula…
Com a quarentena em pleno vigor, muitos pais surtaram com a nova rotina e têm colocando professores e gestores escolares em extrema vigilância; já os alunos, que perderam as interações com seus colegas e mestres, sofrem com as imensas dificuldades para continuar os estudos: além do desafio de se adaptarem às aulas virtuais e à falta de concentração diante de uma telinha, se deparam com as dificuldades de acesso à internet para estudar, com o despreparo dos professores e o imbróglio sobre o adiamento do Enem.
“Calma! Tudo isso é uma construção. Vamos todos errar. Mas, se estivermos cientes da gravidade do momento, a gente vai fazer disso um grande aprendizado”, pondera Laís Xavier, CEO da empresa de tecnologia Mídias Educativas.
“A transmissão ao vivo traz riscos aos professores, como todas as interferências de som ambiente das casas, de pessoas discutindo, de irmãos brincando por perto, da televisão ligada”, conta Laís. “É surreal a exigência atual de que o professor vire de uma hora para outra uma espécie de youtuber, que tenham um ótimo desempenho diante de tela. O gestor diz simplesmente: vai lá e dá seu show! Mas ele nunca foi treinado para isso. É preciso paciência”.
A professora Rafaela Ribeiro, que atua em um colégio particular no Grande ABC, na região metropolitana de São Paulo, afirma ser favorável às ferramentas digitais, mas se preocupa com a carga de pressão em cima dos alunos, pais e professores:
E não só os professores e alunos têm encarado as dificuldades. As casas têm rotinas diferentes, e ter horários predefinidos para assistir às aulas ao vivo é sempre complicado. “As famílias deveriam poder se programar de acordo com seus hábitos e necessidades. Neste sentido, aulas assíncronas me parecem mais executáveis”, afirma Laís. Para a professora Rafaela, em vários aspectos, a readequação do ambiente de ensino é inevitável, mas deve trazer benefícios:
Abismo social
Há muitos motivos de preocupação com a Educação no país.
Sobretudo pensando no ensino médio e na proximidade dos estudantes dos últimos anos com o temido vestibular — o tema foi debatido no evento on-line “O ensino médio vai passar de ano?”, que foi promovido pelo Clube de Realizadores em 3 de junho de 2020.
O cenário de aulas remotas traz consigo a dura desigualdade socioeconômica do Brasil, que inviabiliza as crianças e adolescentes confinadas na periferia, muitas vezes sem acesso à internet, e torna a situação ainda mais dramática para o grupo dos que estão à beira do Enem.
Todos reconhecem a precariedade de acesso de uma parcela significativa dos alunos, como lembra a professora Bernardete Maria Balotin:
Com 38 anos de experiência, Bernardete afirma que a situação trouxe ainda mais incertezas à categoria. “Nós, professores, já sentíamos antes que algo ruim aconteceria. Mas ainda não era o fim do poço. Vieram o coronavírus e a pandemia. Nossas ideias foram contestadas a ponto de perdermos todas a certezas. Conhecimento em xeque perde sua solidez… Contudo, é importante observar que a escola é um microespaço da sociedade”, comenta.
É sempre bom lembrar que o Ensino a Distância engloba uma série de ferramentas e metodologias específicas (como tutores on-line, educação na maior parte das vezes assíncrona e muita autonomia do aluno no processo de aprendizado).
Vale lembrar ainda que essas ferramentas não são necessariamente o que a educação remota, emergencial, está utilizando.
Por mais vocacionado que o mestre possa ser, está claro que as aulas expositivas perderam muito do sentido.
Mas também está escancarado que os meios digitais ainda são uma barreira para uma grande parte da comunidade escolar. Edivan Costa Gomes, educador nas redes estadual e municipal (Ensinos Fundamental, Médio e EJA), da zona sul de São Paulo, fala sobre isso:
Modelo de ensino
Surpresas positivas também existem, porque, afinal, ninguém está de recreio. Algumas escolas conseguiram se adaptar minimamente, apoiando integralmente o professor, realinhando a metodologia e o integrando ao processo. “É possível, por exemplo, além de orientar melhor sobre as questões técnicas, dividir o currículo entre os professores de uma matéria para que eles gravem aulas que possam ser dadas a diferentes turmas”, ensina Laís Xavier.
Segundo ela, é possível ter algumas ações de mitigação de danos para os alunos em situações mais vulneráveis, distribuindo conteúdo que o estudante possa baixar em um wi-fi público e depois acessá-lo off-line. No limite, para esses, é preciso conjugar uma estratégia híbrida, oferecendo também material impresso. “Em todos os aspectos, o conteúdo distribuído de modo assíncrono faz mais sentido. Afinal, é raro haver dispositivos à disposição de todo mundo da casa ao mesmo tempo”, pondera.
A experiência digital já mostrou a Laís que, para cada tópico, o melhor a fazer é gravar uma aula de até 10 minutos (pílulas de conhecimento) e indicar aos alunos a sequência ideal de visualização do material. “Com um conjunto de aulas sob demanda, o aluno só precisa voltar no pedaço que tem dúvida, economizando banda de dados”, garante ela, que ainda sugere além dos vídeos curtos, com pílulas de conhecimento, oferecer exercícios de reforço de aprendizagem e incluir comentário nas respostas também podem ajudar.
Com tanto tempo longe da tradicional sala de aula, é bem capaz de muito mestre estar com saudade até da mão ressecada e da roupa cravada de pó de giz. Saudade que, por sinal, deve demorar bastante a se curar.