Pandemia acelera tendências sobre deslocamento urbano

Larissa Abrão
Clube de Realizadores
6 min readSep 7, 2021

Por Larissa Abrão*

Mesmo após o fim do isolamento social, o auxiliar administrativo Matheus Túlio (24) tende a se manter fiel ao meio de transporte habitual. A bicicleta é o modal que ele utiliza há cinco anos nas ruas de Curitiba (PR).

Fotografia de uma rua à noite, com um ônibus e um carro com o farol aceso em primeiro plano, ao fundo, prédios com as luzes acesas.
No pós-pandemia, plano de mobilidade se torna ainda mais necessário (Foto: Unsplash)

A preferência é justificada por três motivos: financeiro, com a manutenção e o investimento muito menor comparado ao carro; tempo, pois a bicicleta possibilitou uma hora a menos no trajeto até a faculdade em comparação ao transporte público; e saúde, com as inúmeras vantagens da atividade física contínua.

“Quem gosta de andar de bike sabe os benefícios que é pedalar: é chegar mais rápido nos lugares, se sentir melhor, ter mais disposição quando você acorda. Grande parte de ser ciclista é só benefício”, conta Matheus. Contudo, a liberdade de pedalar também encontra desafios: falta de estrutura (ciclovias e ciclofaixas) e de conscientização no trânsito.

Os especialistas concordam com Matheus. De fato, a bicicleta é um meio de transporte sustentável. Mas parte dos ciclistas brasileiros convivem com cidades planejadas para outros meios de transporte. “A bicicleta não pode ser adotada sozinha, é uma escolha individual que deve ser amparada por políticas públicas que facilitem o seu uso, como o investimento em estrutura, com ciclovias e conscientização da população”, afirma Júlio Chiquetto, pesquisador da USP.

Nova aposta: o patinete

A atenção também pode ser voltada para meios de micromobilidade individual, como os patinetes.

“Se o poder público se articular com as empresas, o ideal seria reduzir os custos e ampliar o número de unidades e de áreas de cobertura”, propõe o pesquisador, que acredita que o objetivo principal é democratizar as formas de transporte, principalmente durante a pandemia.

Mesmo diante de tantos desafios, Matheus é positivo e percebe o mercado de bicicleta aquecido. “Eu vejo muito futuro. Influenciei um amigo que não tinha nada a ver com o ciclismo a começar a pedalar. Ele viu o quanto é mais rápido e libertador”, conta.

Na mesma cidade, a dona de casa Alessandra Nicolosi (46) sempre usou o transporte público como meio principal de locomoção. Os 10 km que separam a moradora de um bairro afastado da região central, dificultam seu deslocamento até o curso técnico de Enfermagem.

Com o surgimento da pandemia, Alessandra mudou sua rotina. Agora ela opta pelo carro quando sai acompanhada pelo marido, o único que dirige em sua casa. “Só vou ao mercado de carro, não peguei ônibus nesses quatro meses”, conta ao explicar que tenta cumprir o isolamento ao máximo.

Porém, o fim da pandemia trará novas mudanças no seu dia a dia: ela voltará ao transporte público. Sem carro próprio e sem saber dirigir, o ônibus voltará a ser sua única opção para ir ao curso e até outras atividades. Mas, mesmo com lotações e dependência dos horários disponíveis, ela não trocaria o transporte coletivo pelo carro. “Não troco como meio de transporte principal. O carro tem muito risco de ser roubado e o agravante do preço do combustível”, justifica.

O outro lado

Sem dúvida, o carro permite um conforto maior do que outros meios de transporte. Por isso, continua como modal favorito de parte da população: 1 a cada 4 brasileiros já possui um carro na garagem, segundo o portal G1.

Guilherme Medeiros (37), analista de marketing, utiliza o carro desde o início da carreira como principal meio de transporte. Mora longe do trabalho e encontrou no automóvel uma forma de economizar tempo e de escolher seus próprios horários. “No meu primeiro emprego, mesmo de carro, demorava 40 minutos pra chegar até lá. Cheguei a fazer esse mesmo trajeto com transporte público, porém eu levava quase uma hora e quarenta, além de ter que trocar de ônibus muitas vezes”, relata.

Hoje, ele trabalha em uma grande companhia automotiva localizada próxima da Região Metropolitana de Curitiba, cidade onde mora, e continua optando pelo automóvel, até mesmo quando é impossibilitado de usar o carro. Nesse caso, ele não pensa duas vezes e recorre ao carro de aplicativo. “É relativamente mais caro que uma passagem de ônibus, mas o tempo é o mesmo que ir com o próprio carro”, revela.

Os aplicativos se tornaram uma opção atraente para muitos brasileiros. No país, já são 22 milhões de usuários e 1 milhão de motoristas cadastrados, somente da Uber. Com o crescimento do segmento e variedade de opções, a praticidade e o conforto do carro de aplicativo conquistaram a publicitária Letícia da Silva (24).

Ela mora na região central da capital paranaense, próximo ao trabalho, o que só ajuda tanto pela facilidade de chamar um aplicativo quanto do ponto-de-vista do bolso. “É como se eu gastasse com o combustível do meu próprio carro. Para mim, é muito mais prático”, revela.

No momento, Letícia trabalha em home office, medida difundida por todo o mundo para diminuir a quantidade de pessoas nas ruas e a taxa de disseminação do novo coronavírus. A solução é uma das sugeridas pelo pesquisador Luis Fernando Lourenço, do programa Cidades Globais. “Se deslocar menos para ir da residência até o trabalho resulta num número menor de veículos circulando com poluentes atmosféricos”, diz, ao relacionar a poluição do ar e a contaminação da covid-19. Enquanto a pandemia continuar, Letícia afirma que continuará usando o carro de aplicativo.

Repensando as cidades

A mobilidade urbana durante a pandemia envolve novas e antigas questões que possuem soluções em longo prazo. Repensar o planejamento urbano das cidades, para que possa aliar o combate ao novo coronavírus e medidas permanentes que melhorem a vida da população, é um desafio.

Fora do Brasil, podem ser observadas algumas ações que estimulam outros meios de transporte e um planejamento urbano diferente: a visão de uma cidade policêntrica, uma cidade de 30 minutos. A proposta é que a cidade ofereça serviços, trabalho, educação e lazer próximos da população, para que ela não precise fazer longos deslocamentos durante seu cotidiano.

Com o decorrer do tempo, as cidades planejadas para automóveis no Brasil aprofundaram a desigualdade urbana. Em São Paulo, por exemplo, os paulistanos gastam quase três horas por dia para se deslocarem, devido aos constantes congestionamentos e longas distâncias percorridas.

Diferente da capital paulista, Curitiba é uma cidade menor e com menos habitantes. Contudo, a lógica de longas distâncias e tempo gasto até o trabalho também é real. Guilherme Medeiros afirma que optaria pelo transporte público caso poupasse o mesmo tempo que de carro.

Como exemplo, o analista compara o deslocamento até o centro da cidade. “Além de chegar mais rápido, não tenho o ônus de procurar estacionamento. Hoje, minha opção é justamente da otimização de tempo e conforto”, relata. Ele menciona ainda a ampliação da malha do transporte coletivo e até de uma possível implementação do metrô na capital.

No contexto da mobilidade urbana no país, o novo coronavírus coloca a população sob mais um agravante: a exposição ao vírus. “Quando se diminui a distância entre casa e trabalho, já se tem um ganho enorme, porque quanto menos tempo alguém fica em um transporte público, menor é a chance de se contaminar”, analisa Júlio Chiquetto. Ele ensina o que deveria ser feito:

Boas práticas públicas

E há uma série de políticas públicas que deveriam ser pensadas pelas entidades governamentais para evitar a transmissão da covid-19. Ouça a opinião de Júlio Chiquetto:

Lourenço, por sua vez, ainda ressalta que unificar as recomendações de boas práticas no mundo inteiro, como uma política nacional de combate ao coronavírus, seria uma maneira eficiente de obter soluções quando o assunto é repensar as cidades.

Nesse sentido, o pesquisador relembra a importância do ciclo de sanitização dos veículos do transporte coletivo. “Precisamos de políticas públicas para empresas do transporte coletivo terem acesso à instalação do ciclo de sanitização. Como a facilitação de equipamentos, até mesmo checagem de temperatura”, exemplifica.

Em cidades europeias, estão sendo pensadas outras alternativas, como o uso de bicicletas e do planejamento de ampliação da malha cicloviária, com ciclovias e ciclofaixas. Mas Lourenço alerta que a bicicleta também precisa de amparo de um planejamento urbana e que deve ser levado em conta o contexto das cidades e suas populações:

Antes de ser jornalista, *Larissa Abrão (@lari.abrao) sempre foi curiosa e inquieta. As experiências com telejornalismo e projetos voluntários a fizeram acreditar que o melhor de contar histórias é poder compartilhar lugares, pessoas e conversas. Ela participou do projeto Foca Realizador e faz aqui sua estreia no Especial Corona.

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Larissa Abrão
Clube de Realizadores

Oi! Sou jornalista e aqui estão reunidas minhas reportagens, aproveite para conhecer mais sobre mim. Contato: abraolarissa@gmail.com