23 anos e infinitos universos: o poder da multipotencialidade

Natalia Marchioni
clubedaescrita.cc
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6 min readDec 7, 2022

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Ilustradora: Natalia Marchioni | #DescriçãoDaImagem: ilustração de meio rosto feminino, com ramos de flores coloridas na metade superior da cabeça

Tenho 23 anos e ainda me lembro do peso que teve quando, aos 17, esperavam de mim a palavra final: você tem que escolher uma profissão.

Nessa época, em paralelo ao Ensino Médio, cursei técnico em Multimídia e amei! Mas ainda não tinha as certezas de que me cobravam. Foi nesse momento que a ansiedade veio e desligou a conexão comigo mesma. Deixei a pressão social pela resposta única tomar conta de mim.

Mas como escolher o que eu vou fazer por toda a vida sem sequer ter explorado as possibilidades? Qual o sentido de um caminho exclusivo, se a vida por si só está longe de ser um percurso linear? Por que a sociedade julga quem navega pelas intersecções ou até mesmo por caminhos diferentes?

Comecei a busca por outros caminhos em referências próximas e somei traços de personalidade que seriam aceitos como profissão. Foi assim que escolhi a Economia e, por consequência, conheci a Universidade Federal do ABC.

A parte do curso em si não deu muito certo, mas isso é só um detalhe perto da parte boa: estar nessa instituição! Isso porque o sistema da UFABC tem como primeiro passo da jornada uma formação interdisciplinar, que é o Bacharelado Interdisciplinar em Ciências e Humanidades — no qual tenho muito orgulho de ter me formado.

O diploma desse Bacharel permite que o estudante prossiga sua carreira acadêmica e obtenha um segundo diploma, em um curso de formação específica da UFABC. Um desses cursos é Ciências Econômicas, no qual tenho muito orgulho de não ter me formado. Apesar da admiração pela formação, eu sabia que não era o meu caminho e ter a oportunidade de explorar outros universos na universidade - onde, ironicamente, isso é raro - foi fundamental.

Mais que qualquer conhecimento técnico (sem desvalorizar sua relevância), essas duas experiências acadêmicas me possibilitaram vivenciar o poder positivo dos prefixos ‘inter’ e ‘multi’ - que, mesmo sem perceber, repliquei na jornada profissional.

Ainda universitária, fui apresentada ao mundo CLT como jovem aprendiz administrativa. Segui para uma nova experiência como consultora comercial em uma empresa de empréstimo, onde me desenvolvi e fiz um movimento de carreira para área de Treinamento e Desenvolvimento como analista. Até que fui apresentada oficialmente ao conceito de carreira em rede, em que a carreira é mais sobre suas habilidades e interesses - que podem ser explorados em diversos contextos - do que apenas níveis de senioridade dentro de um mesmo escopo.

E deu match!

Segui por essa premissa: de Analista para Design Instrucional e dali para Design de Aprendizagem - atuação que me apresentou mais contornos de mim mesma com um abraço que permite explorar as intersecções das minhas multipotências (design, organização e planejamento, construção de narrativas, pensamento crítico, comunicação, semiótica…).

Pela primeira vez senti conexão sem culpa com meu caminho e entendi por que todas as experiências até ali tinham me feito bem, mesmo sendo diferentes.

No TEDx sobre Por que alguns de nós não têm um verdadeiro chamado, a escritora e artista Emilie Wapnick descreve o tipo de pessoa que ela chama de “multipotenciais” e propõe uma reflexão que vem de encontro com as vivências que compartilhei até aqui:

“Se você se identifica com minha história e com essas sensações, gostaria que você fizesse a si mesmo uma pergunta: onde você aprendeu a associar ‘errado’ ou ‘anormal’ a fazer coisas diversas? Vou dizer onde você aprendeu: a cultura lhe ensinou isso”

Essa cultura de especialização como regra não existe desde sempre. A “cobrança” para caminho único tem origem na revolução industrial, que redefiniu os rumos trabalhistas da sociedade a partir do modelo Fordista de produção em série — em que a demanda por profissionais especializados cresceu para que os bens pudessem ser produzidos em grande escala.

Apesar do movimento ter origem nas fábricas, não se limitou a elas e fez crescer culturalmente a necessidade de se especializar mais e mais para gerar conhecimentos profundos e melhores oportunidades. Sem muitas opções, fomos nos adaptando ao que era imposto até chegarmos em uma cultura da hiperespecialização, que apresenta seus moldes desde a infância.

Em contrapartida, as pessoas generalistas (também chamadas de multipotencialistas ou polímatas) são vistas como superficiais, instáveis e sem foco. Mas a economia do conhecimento tem se movimentado na inversão do valor da especialização na atualidade: interesses diversos não precisam ser reprimidos.

Ser polímata pode ser muito mais vantajoso do que prejudicial.

Mas afinal, o que é ser polímata?

Multipotencial e polímata são expressões equivalentes usadas para conceituar pessoas que têm diferentes interesses e que desenvolvem diversas habilidades ao longo da vida. Este perfil possibilita movimentos de carreira mais fluídos — seja atuando em diferentes áreas, combinando suas potências em uma atuação ou até mesmo criando algo novo.

“O futuro pertence aos integradores.” — Educador Ernest Boyer

A multipotencialidade vem de encontro à Modernidade Líquida de Bauman, conceito que descreve a volatilidade contemporânea, onde os problemas são cada vez mais complexos e multidimensionais, exigindo criatividade e inovação para solucioná-los. A única certeza é a mudança constante e para isso, precisamos nos libertar de termos que ser apenas uma coisa e entender o universo multipotencial como um caminho potente para explorar.

Neste contexto, Emilie Wapnick destaca três fortalezas de pessoas multipotenciais valiosas para os desafios atuais e futuros:

  1. Síntese de ideias: acesso a intersecções potentes de habilidades e experiências diversas para adaptar ou criar novas ideias.
  2. Aprendizado rápido: além de maior facilidade para sair da zona de conforto, as pessoas que se permitem explorar diferentes habilidades aumentam o repertório em cada novo tema e trazem muitos conhecimentos que podem ser aplicados em diversas áreas.
  3. Adaptabilidade: a habilidade de acessar sua bagagem múltipla para ser o que for necessário em determinada situação.

O Fórum Econômico Mundial defende, desde 2016, que o conceito de cargo e profissão está defasado e deveria dar lugar a um conjunto de habilidades, que é exatamente o percurso de pessoas polímatas. Afinal, de todas as incertezas sobre as profissões do futuro, uma coisa é certa: vamos precisar ainda mais desta capacidade de navegar entre competências e construir conhecimento a partir de diversas fontes, continuamente.

E como podemos explorar nossas multipotências?

Muito se fala dentro desse tema sobre carreiras múltiplas, mas a carreira em rede - onde o profissional evolui de um cargo ao outro considerando suas próprias habilidades e interesses - é uma possibilidade incrível para explorar, potencializar e principalmente combinar diferentes habilidades.

O meu exemplo é um destes: naveguei por diversas atuações, tendo acesso a um repertório de múltiplos aprendizados que segue comigo e continuo nutrindo. Hoje a minha posição, além de mesclar essas diversas habilidades, une desde a nomenclatura duas áreas que se potencializam: o Design com a Aprendizagem, que tem por intenção principal criar experiências mais que apenas conteúdos.

A pessoa polímata possibilita essa visão abrangente a partir de competências variadas, do conhecimento e da experiência em áreas distintas. Como descreve Michael Simmons, é aquele profissional tido como completo, que pode correlacionar adequadamente duas ou mais áreas (que não necessariamente tenham uma ligação tão óbvia) e tirar o melhor proveito da mistura de conceitos, informações e atribuições.

A partir dessas intersecções de habilidades, somos capazes de gerar ideias e construir soluções cada vez mais criativas, personalizadas e eficientes. E cada inovação cria um potencial exponencial de mais inovações.

Então, sendo você polímata ou não, o mais importante é termos o espaço para criar vidas e carreiras alinhadas com nossa forma de funcionar. O fato é que por meio deste modelo mais integrado e colaborativo, as pessoas terão cada vez mais possibilidades para se desenvolver, aumentando a conexão com propósitos individuais e coletivos.

Afinal, as partes por si só estão disponíveis para muitas pessoas - são as combinações entre elas que geram infinitas possibilidades e nos fazem únicos.

“Estude a ciência da arte. Estude a arte da ciência. Desenvolva seus sentidos — especialmente aprenda a ver. Perceba que tudo se conecta a tudo.” Leonardo da Vinci

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