A Insuficiência de Ser Mãe

Juliana Dalge
clubedaescrita.cc
Published in
6 min readMay 24, 2023

“A maternidade é coisa estranha, podemos ser o próprio cavalo de Troia”. Confesso que preciso concordar com a escritora inglesa Rebecca Wells, apesar de não saber exatamente o que ela quis dizer com essa frase. A relação que faço é que a maternidade é única, nada fácil e com batalhas constantes. Todas as escolhas que uma mulher faz em sua vida são motivo de questionamento e julgamento pela sociedade — inclusive por pessoas próximas. Em relação à maternidade não é diferente, a partir do momento em que a gravidez é anunciada. E ser mãe é fazer escolhas e concessões diariamente, o que inclui profissão e carreira. Não há fórmula ou regra. Não tem receita, manual. O que funciona e é válido para uma mãe pode não ser para outra. Mais de 60% das mulheres mães se sentem culpadas simplesmente por serem mães (Pesquisa Mommys e Saúde Mental — 2022). Não precisamos de julgamentos e definições do que estamos fazendo de certo ou errado para os nossos filhos.

Em 2010 recebi uma oferta de emprego. Na época veio como o emprego dos sonhos — trabalhar em uma empresa que traduzia notícias — a união da minha formação jornalística com o que eu adorava fazer, a tradução. E seria uma mudança na minha carreira, eu deixaria de ser “só uma professora de inglês”, como eu era comumente rotulada. O salário era bom e eu poderia trabalhar meio período em casa. Minha filha tinha seis meses. De acordo com o IBGE, atualmente mais de 48% dos lares brasileiros têm mulheres como as principais responsáveis pelo sustento da casa e dos filhos. Esse número representa quase o dobro do percentual levantado em 1995, que era de 25%. Ao contrário dessa realidade, eu não precisava daquele emprego. Mas eu queria — aliás, era a oportunidade que eu aguardava há anos, mesmo sem saber. Recusei o emprego e escolhi estar integralmente com a minha filha em casa no primeiro ano de vida dela. Já que eu tinha esse privilégio, eu queria ser a melhor e mais presente mãe do mundo.

A decisão de voltar a trabalhar veio por conta de um medo de divórcio — que só aconteceu alguns anos depois — e de uma tristeza, um sentimento de solidão. Minha filha tinha quase dois anos. Voltei a ensinar inglês e estar em sala de aula novamente me reconectou com o mundo lá fora, conheci pessoas novas e tive um reconhecimento profissional que eu nunca tinha tido: o de ser uma excelente professora. Esse foi o meu caminho nos primeiros anos da minha maternidade.

Mulheres diferentes, mães diferentes, escolhas diferentes. Quando sua primeira filha nasceu, a executiva Lara B. trabalhava como trader no mundo coorporativo de exportação e importação. A licença maternidade acabou e ela retornou ao trabalho após 5 meses. “Fiz um acordo com meu chefe de que durante 1 mês após meu retorno eu almoçaria todos os dias em casa, o que implicaria em ter 2 horas de almoço, sendo que o tempo oficial era 1h30. Assim pude amamentá-la até os 6 meses.” Ela conta que tinha uma rede de apoio composta pela sua mãe 3 vezes na semana e uma babá nos outros dois dias. Com isso, teve uma volta ao trabalho tranquila e uma separação gradual da sua filha. Nove anos depois e com uma segunda filha, Lara teve 5 promoções e hoje é CCO (Chief Comercial Officer) da empresa em que trabalha. Ela relata que ouve uma pergunta frequentemente: como você consegue fazer tudo que você faz? Ser mãe, executiva, cantar numa banda, jogar vôlei em campeonatos, tudo isso mantendo o bom humor? “Eu aceitei não ser ótima em nada. Não quero abrir mão de nenhuma dessas coisas, então fiz as pazes com ser apenas boa em muitas coisas. Não excelente em nada. Eu sei que poderia ser uma mãe muito mais presente e participativa, que prepara os lanches da escola diariamente com zelo, que acompanha todas as programações e nunca se atrasa para nada.” Ela acrescenta que também poderia ser mais dedicada no trabalho, empenhar mais horas e não esquecer de tantas coisas porque está tentando lembrar das coisas importantes das crianças. “Eu poderia ensaiar muito mais e não chegar insegura aos shows. No vôlei, o céu seria o limite! Quase não treino, vou para os jogos com a cara e a coragem e um monte de amigas maravilhosas que sabem que, ainda que eu não esteja na melhor condição técnica, eu vou correr feito uma cheetah atrás de todas as bolas”.

A jornalista e escritora Renata Veneziani trilhou um caminho diferente. “A decisão de deixar o emprego de jornalista foi motivada pela incompatibilidade com a maternidade que eu queria viver. Eu não tinha um horário certo para entrar e sair, porque existiam muitos fatores do dia a dia que interferiam. A pauta acontece e não escolhe horário comercial para isso. Quando virei mãe precisava de uma rede de apoio, pois se eu atrasava, alguém precisava buscar minha filha na escola. Se ela ficava doente alguém precisava ficar com ela.” Renata conta que apesar da decisão de ser mãe em tempo integral ter sido muito consciente, profissionalmente foi uma mudança que demorou para ser assimilada. Ela começou a fazer pedagogia, mas teve que trancar pois engravidou de gêmeos. Criou a Littera Encantada, onde produzia artes para imãs de geladeira, cartões e marcadores de livros. Também escreveu o livro “Quando Acordei Mãe”. Atualmente Renata trabalha como criadora de conteúdo digital através da Littera Encantada, assessora de imprensa autônoma e está escrevendo seu segundo livro. “Eu não imaginava como uma decisão dessas poderia afetar tanto no meu entorno. Eu tive apoio incondicional dos meus familiares. Mas depois de um tempo algumas pessoas chegaram a me perguntar quando eu voltaria a trabalhar como se o meu micro empreendimento não fosse um emprego. Ou também questionavam se eu não daria aula depois que me formei em pedagogia. Quanto às pessoas próximas, na época da decisão eu escutei “você será uma mãe melhor do que jornalista”; “Ah eu entendo você sair já que é muito ligada à sua filha”; “o jornalismo perde uma profissional e sua família com certeza ganha com sua escolha”. É realmente incrível como as pessoas se sentem no direito de opinar sobre decisões que não lhe cabem.

Eu pensei em pelo menos cinco mulheres mães quando decidi escrever. Cada uma com sua história. Ao decidir ser mãe, não se faz ideia da bagagem que vem pela frente pois ela “apenas” inclui um novo ser humano em nossas vidas. Já disse que a maternidade não é fácil. Os primeiros meses são uma loucura. Ninguém está preparado para viver isso, não tem como aprender na teoria para depois colocar em prática. Na minha gravidez eu até tentei, mas eu lembro claramente de perguntar para a minha mãe apenas após alguns dias de vida da minha filha: Por que você não me falou como era? E ela respondeu: eu falei, filha.

E depois que passa esse turbilhão de emoções com exaustão, vem o momento de se olhar profissionalmente e ter que tomar decisões difíceis, não importa quais sejam: recusar um emprego, separar-se do seu bebê com poucos meses de vida ou renunciar temporariamente a uma carreira. Para que qualquer dessas decisões aconteçam (essas são apenas algumas), é necessário mover montanhas e ganhar batalhas.

Ser mãe é trabalhar 24 horas por dia. Decidir como prosseguir profissionalmente depois disso já é difícil. Precisamos de apoio e compreensão. E união entre nós mulheres. “Toda vez que uma mulher se defende, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela defende todas as mulheres.” Concordo com Maya Angelou e sei muito bem o que ela quis dizer com essa frase.

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