Aprenda como se fosse viver eternamente

Elaine Campos
clubedaescrita.cc
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6 min readAug 16, 2023

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Imagem gerada no DALL_E 2. Prompt: Mondrian style painting with a brain bursting with ideas from books, games, apps.

“Viva cada dia como se fosse o seu último. Aprenda como se fosse viver eternamente.”

Em tempos de lifelong learning (aprendizagem ao longo da vida) essa frase do Gandhi me provocou e me fez questionar o quanto tenho conseguido desenhar a minha própria experiência de aprendizagem.

Acredito que aprender é uma habilidade que pode ser desenvolvida. E esse desenvolvimento pode ser impulsionado por algumas mudanças de mindset e com o desenho de uma jornada de aprendizagem única.

O conceito de lifelong learning não é novo, nos anos 60, o Conselho da Europa já propunha “educação permanente” para atender às demandas da sociedade na época. Em 1973, com uma abordagem mais ligada à economia, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) lançou o manifesto Recurrent Education: A Strategy of Lifelong Learning, propondo a alternância entre trabalho e educação para toda a vida, e destacando a importância de se promover a aprendizagem além da sala de aula.

Mas foi apenas em 2010, com a publicação de um relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, da Unesco, que o conceito começou a ser difundido com mais intensidade. Apesar da teoria, somente há poucos anos esse novo olhar para a aprendizagem começou a ser colocado em prática. A necessidade de se requalificar e adquirir novas habilidades foi acelerada tanto pelo aumento da longevidade quanto pelas mudanças constantes nas dinâmicas de trabalho.

O relatório do World Economic Forum 2023 aponta que quase um quarto (23%) de todos os empregos globalmente mudará nos próximos cinco anos. E um estudo da Udemy, de 2021, revela que entre trabalhadores da Índia, Espanha, França, México e Brasil; os brasileiros são os mais preocupados (94%) ​​com a existência de uma lacuna de habilidades.

É preciso encarar que seremos eternos aprendizes! E isso pode ser muito bom para uma geração que facilmente chegará aos 100 anos. Os 60+ já demonstram um novo comportamento em relação às gerações anteriores. 33% deles indicam a vontade de voltar a estudar. E ela é mais forte para aqueles que têm entre 55 e 64 anos: 36% (Pesquisa Tsunami Prateado, 2018).

“Quem pára de aprender envelhece, seja aos 20 ou aos 80. O melhor da vida é manter a mente jovem”. Henry Ford

Saindo da sala

Hoje já tenho certeza de que o aprendizado formal deixou de ser a única forma de aprender. Acredito que nunca foi, mas havia um caminho desenhado de modo linear que parecia dizer que sim. A ideia de que seguir uma jornada de formações para se especializar em um tema ou profissão tornaria qualquer pessoa apta a lidar com os desafios que viriam, parecia clara e segura, afinal era uma “fórmula” pronta.

No contexto atual, é irreal acreditar que um único caminho de aprendizado é suficiente. Para responder aos problemas de um mundo cada vez mais complexo e que gera uma quantidade de informação antes nunca imaginada, precisamos aprender a aprender. O aprendizado precisa ser tão ágil e constante quanto às transformações da nossa sociedade.

Para dar uma ideia da complexidade nos nossos tempos, segundo a IBM, a humanidade se encontra em vias de dobrar a informação disponível a cada 12 horas.

Após uma análise do sistema de ensino contemporâneo, o sociólogo espanhol Manuel Castells defende que não há mais necessidade de transmitir informações aos alunos, mas sim ensiná-los a buscar critérios para filtrar e combinar as informações, de acordo com seus projetos intelectuais, pessoais e profissionais.

A educação não pode ser mais uma transferência do conhecimento existente. Ela passa a ser uma ferramenta de facilitação que nos conecta a um conhecimento que está mesclado com a forma como experimentamos o mundo.

Afinal, aprender é uma habilidade?

Quando abrimos a mente para novos espaços e momentos de aprendizagem, ampliamos enormemente as oportunidades de aprender. A questão é que a maioria das pessoas não foi treinada para desenvolver a habilidade de aprender.

Sim, aprender é uma habilidade e como qualquer outra precisa ser desenvolvida. No artigo, The most fundamental skill: Intentional learning and the career advantage, da McKinsey, 2020, as pessoas que dominam essas mentalidades e habilidades são chamadas de aprendizes intencionais.

O aprendiz intencional é aquele que transforma qualquer interação do dia a dia em uma oportunidade de aprender. Para estas pessoas, aprender faz parte do fluxo natural. Conseguem extrair aprendizado de uma conversa, de uma reunião ou do feedback de um projeto. Aprendem vendo um seriado do Netflix, ouvindo um podcast de receitas ou conversando com velhos amigos. Aprendem naturalmente e com prazer.

Impulsionadores da aprendizagem

Para ativar o modo de aprendizagem intencional precisamos conhecer alguns impulsionadores. Com o tempo deverão ser naturais, mas de início precisam ser praticados de forma consciente. O primeiro deles é o mindset de crescimento. Carol Dweck, ​psicóloga de Stanford, explica que a mentalidade de crescimento é aquela que te libera da expectativa da perfeição, pois sugere que você pode evoluir e mudar. Para colocar em prática essa mentalidade a dica é transformar suas crenças sobre suas limitações, em crenças sobre suas oportunidades.

Outro grande aliado da educação é a curiosidade, que muitos de nós deixa para trás lá na infância. Os infindáveis por quês se transformam em respostas prontas — que a gente lê em algum lugar e sem questionar muito assume como verdade.

A curiosidade é consciência, abertura para ideias e capacidade de fazer conexões entre conceitos díspares. Há muitas formas de estimular a curiosidade: buscar novas experiências, interagir com grupos diferentes, incluir no dia a dia atividades que não façam parte da sua rotina de vida ou trabalho e por aí vai.

Uma prática para começar: compile uma lista de perguntas que gostaria de responder nos próximos dias ou semanas. Estudos mostram que esse simples passo de identificar as lacunas atuais em seu conhecimento desperta naturalmente mais curiosidade e engajamento para seguir aprendendo.

Desenhando sua própria experiência

Para mim, o desafio está posto. Quando avalio o contexto e algumas das análises já feitas por diversos estudiosos e especialistas em aprendizagem, não me sinto confortável em esperar por uma reinvenção da educação ou alguma pílula mágica da capacitação.

Os esforços para uma reforma educacional têm sido amplamente reativos. É muito mais sobre recuperar o atraso, do que nos preparar para o futuro. O mundo aponta para a necessidade de uma força de trabalho orientada para habilidades e sistemas complexos de criação de valor.

Criar a própria experiência de aprendizagem se torna uma forma eficaz e autônoma de adquirir novas habilidades — no seu ritmo e de forma alinhada às suas necessidades.

Buscar a melhor forma de aprender é dar início a um processo de meta-aprendizado. Esse processo envolve uma autorreflexão sobre as próprias abordagens e estratégias de aprendizado. Isso pode incluir a consciência de como você absorve informações de maneira mais eficaz, como mantém a motivação, como lida com desafios de aprendizado e como organiza e processa o conhecimento.

No artigo “Jornadas de aprendizagem autodirigida: o que são e como criar a sua”, Alex Bretas traz algumas dicas bem práticas para impulsionar esse caminho. Para começar, recomenda uma fase exploratória para a descoberta do tema de interesse. Com o tema na mão, o passo seguinte é definir o foco da aprendizagem para desenhar sua experiência. Outra dica é dividir essa jornada em pequenas “entregas” para manter a motivação. Depois, o desafio é criar uma entrega final. Deve ser algo significativo para você, que te desafie e consolide o aprendizado.

Percebeu como cada passo é feito com intenção? E acrescento a tudo isso uma camada de leveza e prazer. Sim, isso mesmo. Se você é o criador e o usuário dessa jornada, o caminho precisa fazer sentido para você. Ter o formato que você gosta, desenvolver alguma habilidade relevante para sua vida ou carreira, acontecer nos horários em que sua atenção está mais ativa, trazer desafios que te satisfaçam e por fim, ainda te surpreender — trazendo aprendizados que você nem tinha previsto.

E a minha jornada? Bem, esse artigo faz parte da minha meta-aprendizagem, tenho lido e explorado o tema, pesquisado algumas ferramentas e já tenho muito material espalhado em várias “pastinhas”.

Sinto que é hora de organizar essa experiência!

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Elaine Campos
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