Beleza ou ilusão? A sustentabilidade por trás da beleza.

Marília Manfrin | Marilia Manfrin
clubedaescrita.cc
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9 min readNov 17, 2023

Mesmo trabalhando com beleza, cosméticos e perfumaria há 12 anos, ainda me impressiono com os números. Me impressiono com o tanto de novas marcas que surgem o tempo todo, muitas inovações e como ainda há oportunidades. A maior parte que enxergo é em relação à sustentabilidade. O que abrange diversidade, inclusão, consciência ambiental e conexão com consumidores de forma transparente.

O faturamento global do mercado de beleza atingirá cerca de $ 580 bilhões até 2027, crescendo 6% ao ano, segundo Euromonitor e Mckinsey. O Brasil ocupa o 4º lugar do ranking de faturamento. Várias marcas de luxo, originalmente no mercado de moda, têm lançado suas marcas de maquiagem e skin care, após já terem lançado suas fragrâncias. Novas marcas de luxo brasileiras surgem. “É um daqueles raros setores onde há crescimento quando o resto da economia vai bem, mas que resiste quando o cenário não está tão bom” — diz Ariel Ohana, sócio-gerente do banco de investimento Ohana & Co.

Não questiono o mercado de beleza e bem-estar. Questiono a ilusão e o exagero, questiono os limites e a consciência que temos no nosso processo de escolha de categorias, marcas e produtos. Questiono problemas saúde mental e físicas que podem surgir — ansiedade, depressão, disformia de imagem, distúrbios alimentares, problemas hormonais e danos aos órgãos. Qual é o papel das marcas para suportar o bem-estar dos consumidores? Qual é o papel das marcas para levar conscientização sobre consumo? Qual é o papel quando o assunto é sustentabilidade social? E econômica? Ambiental?

Foto da série Wierd Beauty. Fotógrafo Alexander Khokhlov e maquiadora Valerya Kutsan (2012).

Equalizando conceito de sustentabilidade

O conceito de sustentabilidade apresenta três pilares, é sistêmico e longe de ser simples. O pilar Ambiental, refere-se a valorização dos recursos naturais, direta ou indiretamente, curto, médio ou longo prazo. Alguns exemplos são a utilização de matérias-primas renováveis, reuso de água, reciclagem, reaproveitamento de resíduos. No pilar Econômico, é abordado tanto a competitividade justa com seus concorrentes, quanto também sem exploração de funcionários ou meio ambiente. E o Social abrange preocupação com as pessoas e sociedade em geral, desde seus funcionários, fornecedores, público-alvo, e em todas essas esferas, entram a diversidade e inclusão. (Fonte: Tera Ambiental).

Acredito que os desafios do mercado de beleza hoje são as grandes oportunidades que vão redefinir o setor. Ingredientes, embalagens, novos rostos estampados. Processo produtivo, condições de trabalho e inclusão. Reutilizáveis, recicláveis e biodegradáveis. Em inovações de que fato entreguem benefício ao consumidor e meio ambiente. Em ter papel ativo na luta contra tantas doenças e distorções diante dos padrões de beleza irreais. Em inspirar identidade, expressão e autoestima.

Provocando padrões

Me lembro do meu primeiro dia, no meu primeiro emprego no setor de beleza (o ano era 2011), a equipe estava aprovando um anúncio de esmaltes para uma revista com uma celebridade e lembro de ter escutado “o problema é que a mão dela é gordinha”. Lembro de ter estranhado, mas estava só ali começando, não sabia muito bem como funcionava. Por sorte, mesmo diante desse contexto estranho, tive um belo exemplo da empresa — “Mas ela é assim, seguiremos assim”.

Uma década depois, ainda enfrentamos problemas como racismo, machismo, capacitismo, etarismo, gordofobia, LGBTQIAPN+Fobia. Para quem trabalha com desenvolvimento de produtos e comunicação, sabe que semanalmente nos deparamos com alguma situação, em que precisamos estar bem treinados para questionar e nos posicionar. Dentro das empresas, há treinamentos, conscientizações, pessoas e líderes tentando mudar alguns padrões, grupos de afinidade que fazem grandes transformações. Porém, o que realmente cobra a mudança de postura das empresas são seus consumidores.

Os padrões de beleza vêm sendo questionados pelos consumidores e grandes movimentos online principalmente. Movimentos como “Corpo Livre” têm surgido. Esse, liderado pela Alexandra Gurgel autora do livro “Pare de se odiar: porque amar o próprio corpo é revolucionário”. Ela fala sobre autoestima para além do peso. O que me chamou atenção em sua entrevista com a Universa UOL foi como ela fala sobre o conceito de aceitação:

“As pessoas romantizam a aceitação. Acham que é um estado de plenitude, um nirvana, meio Buda, em que a gente nunca vai se achar um lixo. A beleza é um sentimento. (..) Aceitação não é se achar a última bolacha ou biscoito do pacote. É se achar digna de amor, de sair na praia e curtir. Aceitação é você se permitir viver.” (Instagram @movimentocorpolivre @alexandrimos)

O livro que é uma das grandes referências do feminismo moderno “O Mito da Beleza — Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres” apresenta importantes reflexões sobre a opressão estética, desde padrões de beleza, obsessão com físico, medo por envelhecimento. E como o ideal de beleza pode ser usado contra as mulheres.

É estranho ler isso né? Também achei da primeira vez, mas faz muito sentido. A autora e suas obras tiveram algumas polêmicas recentes, mas neste artigo não invalido a preciosidade da reflexão e importância do tema para o feminismo e para o setor de beleza.

“Mulheres estão livres do mito da beleza quando nós pudermos escolher usar nossas faces, roupas e corpos como simplesmente uma forma de expressão entre uma gama completa de outras.” (Naomi Wolf. O Mito da Beleza.1990)

Ao mesmo tempo, vemos outras marcas, pessoas e fatos que se mostram contrários, e vão dando a sensação de que a cada passo que damos para frente, damos dois pra trás. Por exemplo, grandes influenciadoras de produtos cosméticos vendendo um padrão inalcançável de beleza — por trás, há plásticas, procedimentos estéticos, medicamentos, profissionais caríssimos e os filtros, que distorcem a imagem, e quando a pessoa se olha no espelho, não vê o que está vendo nas redes.

Livro “O Mito da Beleza” Naomi Wolf (1990). Foto Pinterest Lis_Esteves.

Quem te influencia?

Marketing de influência é uma estratégia de marketing digital que envolve criadores de conteúdo independentes para conectar marcas aos seus públicos (hoje chamados de “influencers” ou “creators”). Projeções da Statista (2023) apontam que o marketing de influência terá crescimento expressivo podendo atingir US$47,8 bilhões até 2027. Se compararmos um período de 10 anos, tendo o dado de que em 2017 as empresas investiam US$6 bilhões em marketing de influência, vemos um crescimento de 697%! 8 vezes mais! Claro que essa é uma foto de várias transformações que vivemos, desde expansão de internet, uso de celulares, negócios online e aceleração pós pandemia. Mas não deixa de ser um número que chama atenção, e mostra para onde os recursos de marketing estão sendo direcionados.

O levantamento realizado pelo Grupo Croma chamado “Oldiversity” (2023) aponta:

· 78% dos entrevistados afirmam que a pauta diversidade deve fazer parte das marcas e empresas

· 67% dos entrevistados declaram que admiram empresas que apoiam a diversidade

· 51% do ranking das empresas mais lembradas por diversidade é representado por empresas de beleza e cosméticos — Natura (33%), O Boticário (12%) e Avon (6%).

No mesmo estudo, um número que me chamou atenção foi que 54% dos entrevistamos relatam que duvidam da autenticidade das marcas ao abordar diversidade. Apesar de tanta importância e representatividade, ainda há falta de conexão e verdade.

Um setor apresentando crescimento, marketing de influência aumentando investimentos, movimentos pró-inclusão, exemplos de influencers que ainda reforçam padrões de beleza inalcançáveis e início do descrédito dos “porta-vozes”. Parece ainda tudo muito confuso. E é! Representa numa foto do momento atual, onde existe a necessidade de mudança, porém ainda existe a necessidade comercial de manter o consumo. Quando falamos sobre os consumidores, também encontramos padrões confusos. É muito comum encontrarmos ambiguidades quando estudamos os consumidores.

Existe um lugar onde o mercado de beleza faz coisas incríveis. O lugar de elevar autoestima. Trazer segurança e bem-estar. Ou ainda, diversão e leveza pra vida. Esse lugar é o que me fascina! Traz liberdade, autenticidade, consciência e de uso da beleza ao seu favor, para reforçar quem você é. E não tentando ser o que não é, ou tentando se encaixar numa realidade que não é compatível com a sua.

Sim, é uma linha tênue. Precisamos ficar atentas e nos perguntar sempre — Eu quero isso? Isso vai me fazer bem? Ou estou tentando replicar um padrão que não se encaixa na minha vida? Esse processo com a beleza pode ser aprisionador ou libertador. O que vai determinar é se você está no controle, ou se todos os padrões e exigências estão te controlando. Observar e ter consciência dos seus padrões de comportamento.

TheKit.ca — “The Beauty Industry’s Plastic Problem” (2019)

E como a abordagem ambiental da sustentabilidade está presente no desenvolvimento dos produtos cosméticos?

Um ótimo exemplo no mundo da maquiagem é a pressão sobre o selo Cruelty Free (livre de crueldade em animais). A polêmica sobre teste em animais já era antiga, muitos boatos dentro do mercado, e a pressão dos consumidores fez com que as empresas fossem atrás de uma certificação internacional para garantir aos seus consumidores de que em todo o processo de desenvolvimento, não há testes em animais.

Produtos veganos, naturais, orgânicos, “clean beauty” (livres de ingredientes químicos prejudiciais) estão crescendo e, na minha perspectiva, são o futuro. Uma mistura de preocupação ambiental com busca por produtos mais naturais e menos nocivos. Porém, são mais caros e com acesso mais restrito. E quando digo acesso, não digo por facilidade, pois a maioria hoje pelo menos tem uma venda online. Mas a informação não está assim tão fácil de ser encontrada.

Marcas mais caras oferecem possibilidades de embalagem recicladas, recicláveis, mono materiais que facilitam a separação e reciclagem, compostáveis ou biodegradáveis, ingredientes com origens éticas e responsáveis, possibilidades de reutilização (refilagem).

Sem trazer conteúdo técnico, pois esse tema pode gerar mais artigos específicos (me avisa se te interessaria?), mas posso resumir — é mais caro! É mais custoso considerar esses atributos “sustentáveis” nos produtos. Logo, a empresa precisa repassar essa “conta” pro consumidor. Logo, produto fica mais caro. Logo, consumidor que consome marcas mais acessíveis, não conseguirá pagar, vai pra um produto que talvez não entregue esses atributos — gerando resíduos. E é claro, os produtos que apresentam maior volume de vendas, são os produtos mais baratos, acessíveis a classes econômicas mais baixas.

Segundo uma pesquisa do Statistics, 120 bilhões de embalagens são produzidas anualmente pela indústria da beleza, na sua maioria plástico. Mais alguns dados sobre o plástico:

· A resina reciclada de plástico passou a ser vendida até 20% mais cara (ABIPET 2022).

· A parcela de 23,4% dos resíduos plásticos pós-consumo foram reciclados (pesquisa realizada pela ABIPLAST e Braskem).

· Plásticos de embalagens, e também dos microplásticos que podem existir na formulação, também prejudicam a saúde dos oceanos.

O Brasil tem sido palco de conferências internacionais sobre sustentabilidade. Existem alguns projetos público-privados. Precisamos de mais pra correr atrás do tempo perdido. Precisamos de incentivos e políticas públicas para apoiar o exercício das empresas. Os compromissos socioambientais das empresas devem consistentes e constantes, curto e médio prazo! Alguns exemplos de políticas públicas: incentivos fiscais, subsídios para produção sustentável, regulamentação ambiental e definições de padrões mais rigorosos, certificações, fiscalização, fomento à economia circular.

Diversidade, inclusão, consciência ambiental e conexão com consumidores de forma transparente

Estamos sempre em momentos de grandes transformações. E a mudança no setor de beleza no presente é histórica — vai redefinir o futuro. Nosso planeta tem implorado. Consumidores estão pedindo por transparência e conexão. É preciso potenciar a essência da beleza. Apoiar identidade e autoestima. Beleza está longe de ser futilidade. Beleza tem propósito. Beleza tem que ser sistematicamente sustentável.

E nosso papel como consumidores e cidadãos é cobrar. Cobrar das empresas, cobrar das nossas marcas favoritas, cobrar dos Estados, cobrar mudanças. E o que for possível, dentro do nosso alcance, fazer! Traga mais consciência no seu consumo, nas suas escolhas. Escolha as suas brigas, vá pouco a pouco, e priorize o que é mais importante para você. Precisamos de urgência — curto prazo.

“É muito mais difícil destruir o impalpável do que o real”. Virginia Woolf

Observação: ao começar escrever sobre esse tema, vi o tanto de subtemas que podem se desenvolver em outros artigos. Me diga se te interessa e me envie suas percepções e questionamentos. Estou sempre aberta ao diálogo.

Fontes/Links:
Livro “O Mito da Beleza — Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”. Naomi Wolf. 1990.

Instagram @movimentocorpolivre @alexandrimos

Entenda os três pilares da sustentabilidade (teraambiental.com.br)

Marketing de Influência: descubra como funciona essa estratégia! (rockcontent.com)

Musa do verão: Alexandra Gurgel fará você repensar seu #projetobiquini (uol.com.br)

Investimento global no digital deve crescer 35% até 2027 (meioemensagem.com.br)

Batalha de luxo: novas grifes entram no mercado da beleza e movimentam o setor | Negócios | Vogue (globo.com)

Natura e O Boticário são lembradas como as marcas mais diversas do Brasil — Estadão (estadao.com.br)

Cosmético vegano é opção na busca por soluções sustentáveis (cosmeticinnovation.com.br)

Beauty news: as principais movimentações no mercado da beleza no mês de outubro | Beleza | Vogue (globo.com)

Imperfeição, inclusão e autenticidade: tendências do setor de beleza na América Latina (mundodomarketing.com.br)

O mercado de beleza em 2023: um relatório especial sobre o estado da moda | McKinsey

Produção de plásticos reciclados no Brasil bate recorde em 2021, diz associação | CNN Brasil

PET reciclada custa mais do que a resina | Um só planeta | Valor Econômico (globo.com)

Quanto lixo gera sua rotina de beleza? — FFW (uol.com.br)

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Marília Manfrin | Marilia Manfrin
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mulher, mãe, profissional de marketing, otimista. me encontrando na vertigem da escrita. busco ser ponte, presente, futuro, inspiração e acolhimento.