Como errar me ensinou sobre ser um RH estratégico

Clube da Escrita
clubedaescrita.cc
Published in
6 min readApr 5, 2023

Precisamos falar mais sobre a jornada do colaborador como parte da estratégia de qualquer organização. Atuo em Desenvolvimento Humano Organizacional há muitos anos e me provoco a pensar nos modismos que repliquei e nas ideias unilaterais que implementei. Foram muitas pressões de tempo, cumprimento de metas e indicadores, adiamentos de projetos importantes e o discurso de que “sabemos que é importante, mas não priorizaremos no momento”. Um bom começo seria tirar das apresentações oficiais do RH a imagem e a descrição poética sobre a valorização das pessoas — e levá-las para a realidade.

Antes de chegar ao desdobramento da estratégia organizacional, é preciso remodelar o nosso jeito de gerir Recursos Humanos. Davi Ulrich, em 2007, propôs que o RH fosse um ativista confiável, falando a língua do negócio e ganhando a confiança da alta liderança. Fica claro sua provocação para um maior posicionamento e empoderamento estratégico.

Não cabe aqui generalizar todos os CNPJs, mas percebo que a maioria das organizações ainda carrega um RH que se esconde no sentimento de menos valia, dificultando o seu espaço em uma posição executiva estratégica. Se colocam com fundamentações pouco consistentes sobre a necessidade de mudanças e investimentos, e o seu real impacto para o negócio.

Insistimos em replicar os antigos modelos de gestão de pessoas. Enquanto isso — a tecnologia tem substituído os serviços de operação, novas gerações não acreditam e nem querem modelos arcaicos de trabalho, a hierarquia perde cada vez mais espaço e ‘diversidade, equidade e inclusão’ são um caminho sem volta. Por que não atuamos na mudança efetiva deste cenário?

Pela minha experiência, ouso afirmar que nos preocupamos demais em replicar propostas recheadas de modismos e não priorizamos a ouvidoria e análise de quem movimenta o negócio — os colaboradores. É necessário construir uma estratégia de RH com inversão da pirâmide hierárquica, fundamentada no que ouvimos e apuramos. Aqui reforço a importância de atuarmos com mais vontade no People Analytics, gerando uma base de informações sólida e capaz de orientar todos os subsistemas de RH. Esse é um dos principais subsídios para tomada de decisões e direcionamentos estratégicos relacionados a gestão de pessoas.

MAS COMO A JORNADA DO COLABORADOR CONVERSA COM ESSE CONTEXTO

O trajeto dessa mudança e o remodelamento do “jeito de gerir do RH’ não são simples. Cabe analisar cada etapa da jornada do colaborador — da atração ao desligamento — e avaliar em qual nível evolutivo caminhamos. Traçarei aqui uma trajetória com alguns aprendizados e vivências. Vamos lá:

Primeiro passo — Atração: falamos de fit cultural, marca empregadora, match e vendemos as empresas como um lugar incrível para trabalhar. Vendemos um sonho de consumo, baseado em uma estratégia de marketing impecável.

O objetivo é atrair o melhor profissional — fato. Mas resta avaliar:

· Houve uma análise prévia do que tem levado o turnover alto entre as vagas em aberto?

· Quais tem sido as principais queixas trazidas em entrevistas de desligamento?

· Que persona é a mais adequada a cada vaga?

· A divulgação da vaga alcançou a abrangência correta?

· Os líderes estão preparados para receber o novo colaborador — considerando a diversidade e inclusão em seu quadro?

· Medidas de estudo e incremento no pacote de remuneração e benefícios estão sendo aplicadas às vagas críticas da organização?

· Qual a expectativa de crescimento do negócio que demandará banco de talentos e/ou formação interna?

Assisti, algumas vezes, vida curta e saídas de profissionais talentosos, gerando alto turnover, perda de capital intelectual e custos elevados de pessoal. Se não há cumprimento das promessas feitas na atração, não há retenção — simples assim.

Segundo passo — Seleção: Após uma atração ‘impecável’, é hora de selecionar o novo colaborador. Caminhamos com o processo seletivo intermediado por um recrutador. Nesta etapa o candidato passa por entrevistas, testes e exames admissionais — muitas vezes exaustivos. Tudo caminha até a aprovação do candidato ideal, mas será que:

· Definimos entrevistas por competência pautadas no fit cultural e específicas por função?

· Mapeamos previamente as áreas e a necessidade de ampliar a diversidade no quadro de pessoal?

· Os recrutadores abordam o candidato adequadamente, sem preconceitos e de forma inclusiva?

· As lideranças estão preparadas para entrevistas bem pautadas e fundamentadas?

· Há retornos adequados e humanizados aos candidatos não selecionados?

· Há acompanhamento de indicadores de sucesso, pós processo seletivo?

Por diversas vezes precisei conversar com líderes para uma maior flexibilidade durante a seleção, reduzindo sua intencionalidade de contratação de perfis ‘espelho’ ao dele e/ou sua resistência em trazer profissionais com deficiência. Este é um dos muitos exemplos do quanto caminhamos distante da maturidade deste processo dentro das organizações.

Terceiro passo — Ambientação e integração: Nesse momento é comum a preparação da chegada do novo colaborador com um Kit de boas-vindas e um treinamento institucional. O impacto é bom e remete cuidado e acolhimento. Mas ambientar e integrar adequadamente pressupõe:

· Ouvir o colaborador sobre sua experiência de integração, corrigindo falhas

· Mapear quais áreas tem maior turnover (90 primeiros dias), tomando ações corretivas necessárias

· Levantar indicadores do custo de perda de um profissional mal selecionado

· Oferecer aos líderes orientações de acompanhamento ao novo colaborador

Sabemos que será no dia a dia com os colegas, nos recursos físicos de trabalho oferecidos e no acompanhamento próximo com a liderança que o novo colaborador será realmente ambientado. O que percebo é que a urgência e volume de trabalho não coloca a ambientação do novo colaborador como prioridade. Por este motivo, há perda de produtividade, turnover alto e aumento de acidente de trabalho, entre outros problemas.

Quarto passo — Desenvolvimento e carreira: enquanto o colaborador prestar serviços a organização são esperados o seu desenvolvimento e crescimento profissional. Neste trajeto é comum o RH oferecer cursos corporativos, plataformas de aprendizagem, avaliações de desempenho e levantamento de PDIs — Planos de Desenvolvimento Individual. Pergunto:

· Existe estímulo a cultura de aprendizagem e trocas de conhecimento fluida e orgânica?

· As metodologias educacionais utilizadas estão adequadas e adaptadas a todos os públicos?

· Ouvimos os colaboradores para construção de conteúdos mais práticos e efetivos?

· As ações de aprendizagem conversam e apoiam o fortalecimento cultural?

· Há PDIs diferenciados e acompanhados para os profissionais chave?

· Os líderes são responsabilizados pelo desenvolvimento de seu time?

· Os indicadores de desenvolvimento indicam dados além home/hora treinamento e são mapeados por persona?

· A avaliação de desempenho tem gerado saídas para tomada de decisão — Ex.: talentos e sucessores?

Normalmente são oferecidas capacitações corporativas impostas e/ou trazidas de algum processo avaliativo. Aqui é que me peguei várias vezes oferecendo desenvolvimentos com custos altos e pouca efetividade, simplesmente por não acessar com propriedade a realidade e condição de desenvolvimento do colaborador em suas diversas funções. Prejuízo de todas as formas.

Quinto passo — Desligamento: Aqui termina a jornada do colaborador e o RH investiga, por meio de entrevistas, os principais motivos de saída, normalmente voluntárias. Nesse passo pontos chave devem ser considerados:

· Definição de técnicas de entrevistas de desligamento com leituras mais amplas sobre os reais motivos de saída

· Trabalhar indicadores de turnover com cortes demográficos, que demonstrem os pontos críticos de retenção — na empresa, por área, demográfica, função e outros

· Acompanhar e analisar com mais iminência as saídas de pessoas chave

· Apurar gaps de desenvolvimento de lideranças

Talvez este seja o processo mais proforma que exista. Não se faz muito com os resultados, desperdiçando informações relevantes. O colaborador tende evitar queixas reais ao sair e não há aprofundamento das causas pelo RH. Se bem utilizada, a entrevista de desligamento é uma grande aliada na melhoria dos processos de gestão de pessoas.

QUAL IMAGEM DEVEMOS LEVAR PARA AS NOSSAS APRESENTACÕES

Essa jornada é cíclica e composta de outras variáveis. Mas aqui é observado o quanto ainda cabe ao RH percorrer e o quanto se perde com a subutilização do que ele mesmo se propõe a construir e apresentar como as melhores estratégias de mercado em gestão de pessoas.

Gerar influência e — efetivamente — fazer a diferença para a estratégia e o negócio da organização, parte do pressuposto que o RH se dedicará em usar de forma inteligente e criteriosa as análises dos insumos gerados pelos seus projetos e processos implementados. O PPT a ser apresentado a alta gestão sai da poesia e floreios e passa a ser fundamentado, predominantemente, por dados que validem e apoiem a melhor tomada de decisão para o negócio.

Sejamos ativistas confiáveis. É possível.

___________
Escrito por
Claussemary Duarte de Oliveira

--

--