Eu já tive líderes …

Costábile Matarazzo
clubedaescrita.cc
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4 min readAug 28, 2022

Estou aqui sentado numa cadeira desconfortável, um pouco dura, com um descansa-braço que não ajuda. A movimentação é intensa. O ar gelado me faz colocar a blusa de frio. De tempos em tempos uma voz veloz e aveludada abre o microfone para anunciar a saída de um novo voo ou o nome de alguém perdido pela profusão de portões, destinos e horários.

Enquanto espero meu voo, vasculho minhas lembranças à procura de responder uma reflexão que eu mesmo havia provocado no grupo, durante o workshop de liderança que eu havia conduzido naquele dia.

Quais eram as características dos líderes que já te impactaram?

A princípio a resposta me parecia fácil. Relembrei alguns nomes rapidamente.

Como numa sessão de terapia auto aplicada, fui buscando ainda mais e mais fundo. Na verdade, ainda mais lá atrás, desde o início da minha vida profissional.

A princípio a resposta me parecia fácil. Não era! Pensar em nomes foi fácil. Reconhecer os comportamentos, características e práticas de liderança, não. Não consegui encontrar um único líder-modelo. Herói. Completo. Encontrei líderes com pontos fortes e positivos, e também com alguns comportamentos que eu preferia não levar como exemplo.

No final, eu não consegui compilar aquela lista mágica de comportamentos. O que eu entendi ali é que a posição de liderança pode impactar positiva ou negativamente o time. Existem líderes que deixam as pessoas doentes. Outros líderes inspiram e direcionam pessoas. No final, não depende do perfil do indivíduo que ocupa a liderança e sim dos comportamentos e atitudes dessa pessoa.

Percebi que eu tive alguns líderes daqueles para se guardar na memória. Me ensinaram a pensar, a lidar com a pressão, a ampliar minha zona de conforto, a buscar outros pontos de vista e a como me posicionar frente a clientes, pares e dos times que liderei ou fiz parte.

Percebi também que eu tive alguns líderes daqueles para se guardar na memória, por outros motivos. Me ensinaram a como não tratar o ser humano. A como não me comportar como líder. A como não oferecer um feedback. A como acabar com o moral e engajamento do time, e outras tantas coisas.

Durante esse processo de reflexão uma das coisas que me saltou à memória foi a grande quantidade de ocasiões em que tive uma conversa franca, olho no olho, muitas vezes dura e outras tantas mais leve e informal, com os líderes que me haviam deixado marcas positivas. E do outro lado, percebi a escassez de oportunidades que eu havia tido para conversar com aqueles do segundo grupo, que nos deixam marcas difíceis de se desprender. E quanto menos oportunidades eu tinha, menos confiança existia.

Intrigante!

Quanto mais eu pensava sobre o papel dos líderes que influenciaram a minha trajetória pessoal e profissional, mais ficavam claras as grandes diferenças e as poucas semelhanças. De um lado, a confiança como resultado da proximidade e do diálogo franco, olho no olho, com direcionamento técnico e apoio emocional. E feedback constante. A disposição de ouvir eram comportamentos e práticas de liderança exercidas com intenção.

Do outro lado, nada! Simplesmente nada. A desconfiança e a harmonia artificial eram a tônica do dia a dia. Não existia disponibilidade e abertura para o diálogo. Não havia a mínima tolerância aos pequenos erros, e que por si só não gerava aprendizagem e melhoria de processos. Os feedbacks não existiam ou ocorriam naqueles ciclos obrigatórios semestrais e era inserido em um sistema que ninguém sabia como era.

Muitos destes não-líderes tinham um perfil técnico e eram competentes em sua posição anterior. Demoraram em perceber que em uma posição de liderança precisariam desenvolver novas habilidades e valorizar o tempo dedicado às pessoas, e não somente aos processos, prazos e metas.

Aquela voz insistente de novo! Me arrumo naquela cadeira dura de aeroporto. Percebo que meu voo está quase na hora. Começo a juntar minhas coisas e depois de bater o olho no painel percebo que meu voo mudou de portão. Vejo também alguns voos atrasados e outros ainda sem indicação. Na hora, tive um estalo! Um daqueles momentos eureca, sabe?!

O painel do aeroporto nada mais é do que um painel que dá direção, que me conta para onde ir. O painel não é o destino, é o norte. Só depois de olhar aquele painel é que comecei a me movimentar. Aquela informação gerou ação. Sem o painel, eu não saberia para onde ir.

Entendi ali que o painel é uma grande agenda.
Agenda que dá direcionamento. Agenda que é o norte, e não o fim.
Percebi que, sem direcionamento, o que existe é paralisia.

E entendi … que não existe líder sem agenda de liderança !

Na agenda de liderança precisa existir tempo de qualidade para as pessoas. Precisa ter dialogo. Precisa ter direcionamento técnico e também apoio emocional. Precisa ter vida, e não só papel!

Não existe líder sem agenda de liderança !

Por Costábile Matarazzo
@matarazzo.costabile

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